Nova lei traz soluções pacificadoras e pontos controversos

20 anos após a criação do texto base, nova lei de contrato de seguros começa com um ano de adaptações. Expectativa é a de que, somada a uma boa gestão técnica e jurídica por parte das seguradoras, a nova lei contribua para a diminuição dos litígios
Carol Rodrigues

Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS)

“O direito do seguro brasileiro deixa de ser vassalo para ser um protagonista do desenvolvimento do direito do seguro no mundo”. A frase do advogado Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), ilustra o protagonismo do Brasil com a instituição do Marco Legal dos Seguros por meio da Lei 15.040, que entrou em vigor em dezembro de 2024 com período de vacatio legis – expressão de origem latina que, na prática, simboliza o período de adaptação antes do início de sua vigência – até dezembro de 2025.

Tzirulnik foi o redator do projeto de lei inicial 2597/04, levado à Câmara Federal pelo então deputado José Eduardo Cardozo, que culminou na nova lei que define as regras de contrato de seguro no Brasil, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Tivemos uma tramitação, que apesar de muitos pontos contribuírem para o aperfeiçoamento do texto, privou o Brasil da posição de vanguarda, que poderia ter tido”, ressalta o advogado, ao pontuar que, naquele momento, o Brasil saia na dianteira da maioria dos países com a proposta de um ordenamento especial sobre o contrato de seguro, mas foi um dos últimos a concluir. “Nosso projeto surgiu em 2004 e, em seguida, vieram diversos projetos na Europa – Alemanha, Portugal, Bélgica -, além do Chile e Peru”.

Na visão de Tzirulnik, de forma geral, o conteúdo dogmático da lei está muito próximo do texto original e acolhem as preocupações essenciais avistadas no ano 2000.

“O texto, sancionado pelo presidente Lula, é maduro, idôneo e indiscutivelmente cumpre os objetivos que nós tínhamos, que era dar maior transparência, efetividade, abrangência e segurança aos contratantes de seguros fossem eles grandes empresas, consumidores, beneficiários diversos como investidores, os terceiros lesados nos seguros de responsabilidade civil e as próprias seguradoras. É um texto que vale a pena comemorar”.

Mudanças com a nova lei

João Máximo, advogado do Marcos Martins Advogados

“A nova lei fortalece o mercado de seguros porque traz uma modernização, consolidando diversas leis esparsas existentes no sistema brasileiro, como o Código Civil, o decreto-lei 73/66 e a lei do seguro saúde. O marco legal vem para consolidar essas normas e trazer mais transparência e segurança jurídica. Isso estimula o crescimento do setor”, assinala João Máximo, advogado do Marcos Martins Advogados, para quem um ponto interessante é que o novo marco legal também alinha o Brasil às práticas internacionais.

Bárbara Bassani,  advogada e sócia da área de seguros e resseguros do escritório TozziniFreire Advogados, com uma lei específica, o mercado de seguros ganha mais evidência perante outros mercados, mas, por outro lado, é difícil prever, nesse momento, se a lei irá, de fato, fortalecer o mercado, especialmente, para seguros de grandes riscos e de determinados nichos. “Existem muitas disposições que dependerão de interpretação e de regulamentação ao longo do tempo, sendo esse processo importante para evitar qualquer tipo de retrocesso com relação ao contínuo crescimento e à liberdade conquistada até aqui”.

“As regras da nova lei não causam entraves, elas apenas fixam um regime básico comum a todos os seguros, que podem proporcionar mais facilidade, transparência, eficácia e menos conflitos. Analisamos, ponderamos e adotamos regras fundamentais que vêm sendo também objeto de preocupação na maioria das legislações contemporâneas sobre o contrato de seguro. Existe uma identidade respeitosa à cultura local, ao direito brasileiro entre a nossa lei de contrato de seguro e as leis de contratos de seguros mais modernas do planeta”, explica o presidente do IBDS.

Diminuição dos litígios

Há uma expectativa de que a nova lei, somada a uma boa gestão técnica e jurídica por parte das seguradoras, contribua para a diminuição dos litígios.

“A nova lei traz diversas regras preventivas de litígios que o mercado vai poder oferecer aos contratantes de seguros um produto mais acolhedor e adequado, o que certamente não apenas deve relaxar esse grau elevado de litigiosidade que vemos hoje, como também aumentar o volume de negócios no mercado”, comenta Tzirulnik.

Ele ainda aponta que o projeto traz uma série de soluções que distinguem as situações de dolo das situações de culpa. Isso diminui por si a litigiosidade, torna mais justa a solução porque você não pune o segurado que apenas culposamente atuou com aquele que dolosamente atuou em detrimento dos interesses da seguradora. É uma regra de justiça e de aproveitamento da eficácia do contrato.

O advogado do Marcos Martins lembra que alguns dispositivos da nova lei ainda dependem de regulamentação complementar, o que pode trazer um pouco mais de insegurança no início da vigência da lei em dezembro deste ano.

“A lei não especifica exatamente quais as informações absolutamente necessárias que devem ser questionadas nos procedimentos para avaliação dos riscos. Outro ponto é o critério para avaliar o risco, critério sobre o agravamento e redução do risco. A nova lei fala sobre algumas hipóteses em que o risco pode ser agravado ou reduzido, mas não traz especificamente os critérios para avaliação do quanto reduziu ou o quanto aumentou, e as responsabilidade e obrigações dos estipulantes quanto ao seguro coletivo. Esses três exemplos vão precisar de uma regulamentação específica e que, nesse início, pode ser que teremos algumas discussões judiciais em relação a esses pontos”, exemplifica.

No entanto, como o marco legal veio para trazer mais segurança e transparência, a ideia é que haja redução no volume de litígios. “Na medida em que as regras e obrigações são específicas de forma mais completa, a judicialização é desestimulada porque tanto seguradores, como corretores e beneficiários têm as regras postas e têm como saber se o pleito que ele imagina ser possível na justiça terá sucesso ou não”, tranquiliza Máximo.

Bárbara Bassani,  advogada e sócia da área de seguros e resseguros do escritório TozziniFreire Advogados

Na visão de Bárbara, já havia a garantia de equilíbrio para seguros massificados, considerando a legislação consumerista. “A nova lei não traz equilíbrio em grandes riscos, na medida em que existem diversos dispositivos que favorecem o segurado, independentemente da sua condição de hipossuficiência, desconsiderando, em alguns pontos, a existência de uma relação paritária entre a seguradora e o segurado”.

Adaptação

Para João Máximo, até dezembro de 2025 é um período importante para que as companhias façam adaptações internas. “É importante o mercado aproveitar esse período, tanto corretores como seguradoras, para se capacitar e entender as mudanças que vão acontecer, treinar o pessoal e Implementar mudanças, inclusive operacionais, para que se adaptem à nova lei”, recomenda.

Bárbara também acredita que os profissionais precisam conhecer a lei, avaliar os seus impactos, mapear as suas operações e realizar as adaptações necessárias para que, no momento de vigência da lei, estejam trabalhando em conformidade com o novo regramento.

“Este ano de 2025 será um ano de estudo e adaptação. O primeiro grande ano de implementação efetiva (e até mesmo ‘teste’ da Lei) será o ano de 2026, momento em que os profissionais seguirão tendo um papel importante na busca da melhor interpretação da lei para evitar retrocessos, de forma que o setor de seguros e resseguros possa continuar em constante crescimento”, chama a atenção a advogada.

Ela ainda aponta que haverá um custo para adaptação, por parte de todos os atores do setor. “Para as seguradoras, as mudanças englobam diversas frentes operacionais, jurídicas, e até mesmo sistêmicas, na medida em que a lei altera procedimentos para aceitação de riscos e política de subscrição, a adaptação das condições gerais dos produtos de seguro, a regulação de sinistro e a relação de prestação de serviço com os reguladores de sinistro, a contratação de resseguro e a resolução de conflitos. Também existem pontos específicos que vão impactar a atividade do corretor de seguros, como as novas disposições referentes ao preenchimento do questionário de avaliação do risco e uma atenção maior na comunicação com os segurados”.

Algumas mudanças

Tzirulnik lembra que, com o marco legal, não vai mais existir possibilidade de se recusar pagamento de seguro de vida com a argumentação de que o segurado teria agravado o risco. “Isso, sem sombra de dúvida, torna o seguro de vida muito mais desejado, seguro e certeiro para a proteção dos beneficiários, aumentando o apetite pela sua contratação”.

Outro ponto citado por ele é que, quando a lei diz que as seguradoras têm que ter mais cuidado na subscrição do risco, apresentando contratos bem feitos para os segurados em qualquer circunstância de contratação de seguro, seja de danos, vida e integridade física, o diálogo entre segurado e seguradora ganha qualidade. “Isso leva a uma formação mais saudável dos contratos de seguro e, ao mesmo tempo, evita que futuramente sejam inventadas propositadamente situações relevantes, que nunca foram relevantes e que servem apenas para evitar um pagamento de determinado sinistro”.

“Além dessas, diversas outras regras trazem soluções pacificadoras e que desoneram substancialmente, tanto os segurados, beneficiários e terceiros lesados, como as seguradoras, o que também acaba gerando um grande benefício para os intermediários, sejam eles corretores ou agentes, que estarão vendendo um produto menos conflituoso, mais protetivo e que, além de tudo, terá conteúdo mais fácil de ser apreendido”, completa o presidente do IBDS.

Pontos controversos

Inclusive, para Bárbara, a falta de distinção entre os seguros massificados e os seguros de grandes riscos é o principal ponto controverso na lei, seguido por temas específicos tratados no novo regramento, tais como a dinâmica de subscrição com a existência de um questionário de avaliação de risco mais fechado, a prevalência da interpretação mais favorável ao segurado em diversos momentos, a nova dinâmica do agravamento de risco, os prazos envolvidos na regulação/ liquidação de sinistro e suas respectivas consequências.

“Além desses temas macros, há pontos controversos que permeiam alguns seguros específicos, como os seguros de responsabilidade civil, por exemplo, com a previsão de divulgação, por parte do segurado, para informar os terceiros prejudicados sobre a existência e o conteúdo do seguro contratado. Já, para os seguros de pessoas, gera controvérsia a previsão de que a recusa de renovação de seguros individuais sobre a vida e a integridade física que tenham sido renovados sucessiva e automaticamente por mais de 10 anos deverá ser precedida de comunicação ao segurado e acompanhada de oferta de outro seguro que contenha garantia similar. Esses dois exemplos revelam artigos absolutamente novos com relação ao ordenamento jurídico atual”, aponta a advogada.

Segundo Máximo, um ponto de alerta para as seguradoras é a comunicação com os clientes, pois é necessário especificar bem as mudanças e o que a lei traz de benefícios para o segurado. “Essa comunicação será muito importante nesse período de vacatio legis.

Os corretores precisam se adaptar às mudanças operacionais, ficar atentos aos prazos que a nova lei traz para a análise e pagamento do sinistro. A questão do questionário de risco é um ponto bastante destacado pela lei, é necessário ver como isso será feito na prática”.

Tzirulnik destaca que tem notado uma precipitação dos comentários à lei no mercado, assim como uma série de exames feitos com as perspectivas da divergência. “Isso é um pouco perigoso porque acaba construindo uma precipitação e as seguradoras têm que evitar exercícios efêmeros e focar em exercícios definitivos. Para que isso aconteça, é fundamental que todo intérprete se acalme, reflita bastante o sistema da lei como um todo e olhe a lei como um microssistema que tem conversa interna entre os seus dispositivos e espere para ver o que no primeiro semestre deste ano vai acontecer com a leitura que o Estado faz da lei na produção das normativas infra legais. Há uma prioridade para a revisão e adequação das circulares, resoluções e outras normativas infra legais”, diz ele, que acredita que o Brasil será referencial para diversas revisões legislativas em outros países.

Para Máximo, o mercado vive um momento de expectativa com o novo marco legal. “Ainda existem muitas dúvidas em relação à implementação de muitas normas e regras. Só quando entrar em vigor é que saberemos como isso vai ser na prática. É também um momento de muita oportunidade porque traz segurança e transparência e um potencial para estimular e desenvolver o mercado no Brasil”.

“É um novo momento, uma mudança de paradigma. A frase sempre foi assim e é assim não se aplica mais, é ultrapassada. Os profissionais precisam estar atualizados. Novos especialistas vão surgir, a concorrência aumentará e aqueles que não forem resilientes e capazes de se adaptar poderão não estar no setor nos próximos anos”, diz Bárbara.

A origem da lei

A Lei 15.040/2024 teve como base o projeto de lei sobre o contrato de seguro 2597/04, desenhado por uma comissão de juristas coordenados por Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS).

O projeto surgiu no momento em que o Brasil fazia a transição do regime de monopólio do resseguro para o regime de concorrência entre os resseguradores. “Essa passagem era feita sem se ter o cuidado de projetar modificações legislativas para garantir o bom funcionamento das relações entre seguradoras, segurados, beneficiários e terceiros lesados. Existia uma preocupação macro, de ordem econômica, mas não havia um cuidado no tratamento da proteção na sociedade, que pudesse garantir o bom funcionamento dos contratos de seguro”, lembra Tzirulnik.

“Esse drama ficou mais preocupante quando o Código Civil, de 2002 se revelou tão ou mais antiquado para reger o contrato de seguro diante do avanço sofrido pelas operações concretas do mercado”, acrescenta.

Além disso, segundo o advogado, os novos players do mercado, os resseguradores estrangeiros, começavam a trazer práticas e culturas que não necessariamente melhoravam, mas muitas vezes pioravam o conteúdo dos seguros. “Já começava a existir no Brasil, algo que era inédito, que são os dramas dos riscos declináveis”.

Também surgiram dramas como o do seguro DPVAT, que precisava de tratamento urgente. “Tenho certeza que o capítulo sobre seguros obrigatórios que o projeto original continha fosse aprovado naquela ocasião, o seguro DPVAT teria sobrevivido sem mais escândalos e prejuízos. Por isso, acho que alguns sacrifícios podem ser identificados no texto da lei de contrato de seguro aprovada recentemente, assim como algum lamento podemos fazer pelo fato de ter demorado tanto para aprová-la”, diz ao lembrar o fato de o Brasil ter saído em primeiro lugar e ser um dos últimos a chegar.

Conteúdo da edição de janeiro/fevereiro (272) da Revista Cobertura

Revista Cobertura desde 1991 levando informação aos profissionais do mercado de seguros.

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