Lideranças do Brasil, Uruguai, Paraguai e Chile compartilharam experiências na manhã de 21 de junho
A situação do mercado irregular de seguros em países da América Latina e as possíveis soluções para os prejuízos causados ao consumidor foram os principais assuntos debatidos no webinar promovido pela Confederação Nacional das Seguradoras – CNseg na manhã dessa segunda-feira (21/06). O compartilhamento de experiências entre lideranças do setor de diferentes países buscou alternativas para diminuir os prejuízos causados aos consumidores.
O evento contou com a participação do Presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Marcio Coriolano; do chefe da Coordenação Geral de Estudos e Relações Institucionais da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Paulo Roberto Miller; do Vice-Presidente Executivo da AACH/Chile (Asociación de Aseguradores de Chile), Jorge Claude; do Diretor Executivo AUDEA/Uruguay (Asociación Uruguaya de Empresas Aseguradoras), Alejandro Veiroj; e do Presidente APCS/Paraguay (Asociación Paraguaya de Compañía de Seguros), Antonio Vaccaro, sendo moderado por um dos maiores especialistas do Brasil na área de Direito do Consumidor, o professor Ricardo Morishita.
De acordo com Morishita, diversos países do mundo contam com a operação simultânea de seguradoras e associações de socorro mútuo, mas sua atuação não se confunde. Diferentemente das seguradoras, essas associações visam ao exercício de solidariedade e não têm fins lucrativos. Ambas as atividades são regulamentadas no Brasil, mas têm naturezas jurídicas distintas. Entretanto, Morishita destaca que o que preocupa é o surgimento de um terceiro gênero que “não é uma associação, mas veste uma roupa de associação para poder comercializar seguros”.
“O grande problema dessa atividade é a legalidade, não é nem seguro, nem proteção dos consumidores”, salienta Morishita. Tanto o Superior Tribunal de Justiça brasileiro quanto vários Tribunais Regionais já reconheceram que a venda de seguros por associações de forma aberta, no varejo, é ilegal. Mas há uma estratégia que se estabeleceu ao longo de anos. “Você entra com a ação, suspende a atividade, mas se cria uma nova associação. Como há uma informalidade muito grande e não há regulação suficiente, abrir e fechar é muito simples”, explica Morishita.
Isso traz uma série de problemas que não costumam ficar tão evidentes para o consumidor. Morishita considera que o consumidor é atraído pelo preço das associações, que costuma ser inferior ao das empresas seguradoras, mas não percebe o que está por trás dos benefícios. Ao contrário das seguradoras, as associações não possibilitam que a desvinculação seja feita a qualquer hora, não analisam o perfil do consumidor, os valores pagos são flutuantes, as regras de operação variam, a coparticipação em franquia não é fixa e a inadimplência implica automaticamente em perda dos benefícios. Com isso, os consumidores correm o risco de não receber o dinheiro do sinistro. Além disso, cobranças individuais também podem ser feitas e não há a quem recorrer caso o consumidor se sinta prejudicado.
Em função dessa realidade, há atualmente 353 ações civis coletivas movidas contra entidades que vendem seguros irregularmente. É o que destaca o chefe da Coordenação Geral de Estudos e Relações Institucionais da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Paulo Roberto Miller. “O consumidor não sabe e acaba achando que adquiriu um seguro mesmo”, destaca. O trabalho da Susep visa, tanto proteger o consumidor, quanto a instituição seguro. Não se trata de fiscalizar nem regular essa atividade, mas de coibir a prática irregular e, segundo ele, as reformas regulatórias da Susep buscam justamente resolver esse problema. Essas reformas, afirmou, “vão reduzir os espaços do mercado irregular e vão permitir que o mercado regular capte boa parte da demanda dos consumidores”.
De acordo com o Presidente da CNseg, o problema do mercado irregular se deve muito ao crescimento dinâmico do mercado segurador brasileiro, que atrai aqueles que veem oportunidades para negócios, ainda que irregulares. Essa realidade teve início com o seguro de automóveis, mas logo se estendeu a outras áreas. Mas, segundo Coriolano, abordando o tema de forma diferente da Susep, “a solução infralegal nåo soluciona a assimetria legal existente, nem as vantagens competitivas das associações que se nutrem de menores custos regulatórios e isenção de impostos.” Foi com base nesse diagnóstico que defendeu que a solução para isso passa necessariamente por um projeto de lei. E, para ele, o paradigma é o mesmo que deu solução ao antigo mercado de planos de saúde em 1998: a lei 9.656. É por isso, disse o Presidente da CNseg, “que nós chamamos todos, não apenas os congressistas e parlamentares, mas todos aqueles posicionados para um setor de seguros solvente e protetivo do consumidor, inclusive órgãos reguladores e entidades de defesa dos consumidores, para que juntos possamos recolocar o tema, que já tem projeto pronto de lei complementar, dentro da agenda prioritária do Congresso Nacional”.
Particularidades do mercado de seguros no Chile, Uruguai e Paraguai
A situação do mercado irregular de seguros no Chile, no Uruguai e no Paraguai difere da realidade brasileira. Mas a essência é a mesma.
O Chile tem menores problemas com as associações de socorro mútuo no presente, exceto na área da saúde, afirmou o Vice-Presidente Executivo Asociación de Aseguradores de Chile, Jorge Claude. Já foi pior, segundo ele, quando uma associação da categoria dos médicos decidiu apenas manter um fundo para mover ações por más práticas médicas. Diante dessa situação, Jorge Claude contou que entidades ligadas às seguradoras mostraram que, além de ser ilegal, o fundo não garantia proteção à categoria porque não havia garantias de que seria capaz de cobrir as demandas. A solução encontrada foi a contratação, por parte dessa associação de médicos, de um seguro de responsabilidade civil.
Situações desse tipo foram evitadas com base na legislação. Segundo Claude, “a lei dá um respaldo bastante poderoso para as companhias de seguros de saúde, obrigando que o comércio de transferência de riscos se faça através de um canal formal que está regulado pela Comissão para o Mercado Financeiro (CMF)”. Além disso, os consumidores contam com uma espécie de defensoria pública para a defesa dos assegurados. Mas, ainda assim, há dificuldades para mover ações contra empresas que operem ilegalmente no país, afirmou.
Outra particularidade do Chile é a possibilidade de aquisição de seguros no exterior. Embora seguradoras estrangeiras não possam atuar no país, os cidadãos chilenos estão autorizados a viajar e adquirir seguros no exterior. Os seguros de vida são os que mais apresentam desafios nesse sentido. “Penso que isso tem a ver, tanto com a maturidade do mercado, quanto com a situação política. O Chile está passando por um momento de incertezas, que faz com que parte da população prefira buscar soluções fora do país”, ponderou Claude.
Outro ponto desafiador destacado por ele são os serviços de assistência nos quais uma empresa vende o serviço, mas subcontrata outra para a prestação. Claude avalia que “isso é um seguro disfarçado”.
Os serviços pré-pagos de saúde oferecidos por clínicas ou hospitais privados estão entre os principais desafios no Chile e no Paraguai. “Muita gente tem certeza de que conta com um seguro, mas isso não é seguro; é simplesmente uma forma de pagar antecipadamente por um serviço”, destaca Claude. A principal diferença é que essas empresas não possuem reserva técnica, como possuem as companhias seguradoras. Situação semelhante envolve serviços funerários.
Já no Paraguai, as atividades das empresas que oferecem serviços pré-pagos de saúde e as seguradoras privadas são atividades complementares que, desde 1997, são fiscalizadas pela Superintendência de Seguros. Quanto aos serviços funerários e os serviços de assistência, o Presidente APCS/Paraguay (Asociación Paraguaya de Compañía de Seguros), Antonio Vaccaro, salientou que a solução encontrada foi incorporá-los aos seguros. No que diz respeito a outros tipos de serviços, Vaccaro afirmou que as cifras ainda são pequenas no mercado paraguaio. Embora, disse ele, “a experiência brasileira já tenha levantado questões que deveremos enfrentar em nosso país.”
O mercado irregular de seguros no Uruguai é bastante semelhante ao do Paraguai e ao do Chile. Os serviços de saúde e de vida, além do seguro funeral, são os que mais apresentam problemas. A principal diferença é que a legislação uruguaia proíbe formas societárias diferentes de seguradoras devido ao marco regulatório. O Uruguai também não permite que os cidadãos adquiram esse tipo seguros fora do país. Neste caso, as sanções previstas em lei se aplicam tanto a quem compra quanto a quem vende. Da mesma forma que o representante do Paraguai, disse que “é preciso levantar barreiras regulatórias que impeçam a venda de seguros por outros entes que não tenham a mesma proteção.”
O Diretor Executivo AUDEA/Uruguay (Asociación Uruguaya de Empresas Aseguradoras), Alejandro Veiroj, destacou que a assimetria regulatória e a dificuldade de fiscalização de mercados irregulares têm a ver com falta de foco adequado, porque os riscos se materializam a longo prazo. “Em muitos países isso se resolveu designando reguladores diferentes, para a conduta de mercado e para a solvência”, apontou Veiroj. É o caso da Inglaterra e do Canadá, mencionou.
Ao encerrar o evento, o Presidente da CNseg advertiu que a progressiva quebra de barreiras informacionais na região da América Latina pode suscitar maior velocidade de expansão do mercado irregular entre os países e que, por isso, o fortalecimento da FIDES e de suas trocas é fundamental para todos os seus integrantes.