Novo Marco Legal de Saneamento amplia desenvolvimento de programas de seguros, definindo responsabilidades dos agentes públicos e privados
Thaís Ruco
O novo Marco Legal do Saneamento Básico foi sancionado em 15 de julho de 2020 para universalizar e qualificar a prestação dos serviços no setor, com investimentos previstos de R$ 700 bilhões até 2033 e com o objetivo de fomentar e atrair investimentos privados. As licitações para as obras começam a ser efetivadas.
Hoje, no Brasil, 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e mais de 100 milhões não contam com serviços de coleta de esgoto. A meta, com o marco, é garantir o atendimento a 99% da população com água potável e 90% com tratamento e coleta de esgoto até 31 de dezembro de 2033.
A lei prevê ainda a criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), autarquia responsável pela implementação e edição das normas estabelecidas na Política Nacional de Recursos Hídricos, assegurando à população serviços de qualidade e estimulando a competitividade do setor privado com as empresas prestadoras dos serviços de saneamento, por meio da fiscalização.
Para Karine Barros, diretora-executiva de Negócios Corporativos e Saúde da Allianz Seguros, o maior impacto do novo marco do saneamento é na qualidade de vida da população, que passa a ter acesso a saneamento básico e água potável. Do ponto de vista econômico, o alto volume de investimentos previstos para obras relacionadas ao saneamento básico também tem um impacto muito positivo na geração de empregos (diretos e indiretos) por conta das obras que surgirão de norte a sul do País e na consequente aceleração do crescimento econômico. Um terceiro ponto importante a destacar é o modelo de regulação por desempenho e o compromisso com a sustentabilidade, o que, certamente, estimulará as empresas envolvidas a investirem em tecnologia e se comprometerem com resultados de longo prazo.
“Além de poder contribuir com a retomada da economia em um momento em que o país enfrenta desafios advindos de uma série de fatores e incertezas de grande impacto social e econômico, a contratação de um programa de seguros e garantias concebido para proteger todas as etapas dos projetos oferece proteção adicional de que as obras comecem e terminem dentro do preço, prazo e qualidade especificado na licitação ou contrato de concessão”, argumenta André Dabus, diretor de Construção e Infraestrutura da Marsh Brasil. “Por exemplo, no caso de uma concessionária de saneamento não concluir as obras de ampliação da rede de esgoto previstas no contrato de concessão, a seguradora assumirá a responsabilidade para contratar outra empresa a fim de concluir os serviços, atuando como uma espécie de mediadora do conflito junto ao poder concedente, protegendo a população contra os efeitos colaterais causados pelo atraso na entrega das obras e serviços especificados na licitação”.
No que tange à indústria de seguros, as oportunidades no setor de infraestrutura são inúmeras e atingem praticamente todas as linhas de produtos. “As principais modalidades de seguros que serão demandadas para projetos de saneamentos são: seguros de garantia para fases de licitação (Bid Bond), assinatura do contrato de concessão (Performance Bond) e financiamentos (Completion Bond). Durante a execução das obras, podemos citar seguros de riscos de engenharia e responsabilidade civil e, durante a operação do sistema de água e esgoto, os seguros de riscos operacionais e responsabilidades, além do seguro ambiental e cibernético, equipamentos, veículos e pessoas”, afirma Dabus.
Karine ressalta o desenvolvimento das linhas de negócios diretamente relacionadas à infraestrutura, como garantia, riscos de engenharia, responsabilidade civil, transportes, D&O e E&O. “O aquecimento econômico gerado por essas obras tem efeito direto na economia local, impulsionando também outras atividades e, consequentemente, seguros relacionados a elas”, comenta. “Um exemplo prático seria a compra ou troca de automóveis dos profissionais envolvidos nas obras, fruto de um maior poder aquisitivo. Isso traria uma procura maior pelo seguro de auto, por exemplo. A mesma lógica pode ser usada para o seguro residencial, de vida, saúde e assim por diante”.
Especificamente sobre o seguro garantia, Fabio Silva, superintendente de Linhas de Engenharia da Zurich no Brasil, lembra a aprovação do Projeto de Lei 6814/2017, que torna a adoção compulsória por esse tipo de proteção para obras acima de R$ 100 milhões, com ampliação da garantia de até 30% do valor do empreendimento (antes era de até 10%). “Desta forma, a regulação permitirá que as seguradoras assumam a conclusão da obra ou prestação de serviços em caso de inadimplemento por parte do contratado”, explica.
“O seguro tem papel fundamental como facilitador nos processos de licitação e reforça no País a criação de uma cultura em que seja reconhecido como instrumento de mitigação de riscos eficaz”, aponta André Dabus, ao destacar que o novo Marco Legal de Saneamento amplia o debate acerca do desenvolvimento de programas de seguros com coberturas mais completas, além de ressaltar a importância de se estabelecer uma matriz de riscos, o que define claramente as responsabilidades dos agentes públicos e privados.
Há um grande déficit em infraestrutura no Brasil, assim como em várias áreas, mas o novo marco do saneamento promete trazer desenvolvimento. “Será uma evolução gradual e dependerá muito da capacidade de licitação e investimentos do governo, bem como da execução das iniciativas pública e privada”, analisa Karine Barros.
“A nossa expectativa é de retomada dos investimentos em saneamento básico, principalmente com a atuação do setor privado, podendo originar investimentos da ordem de R$ 500 bilhões nos próximos 10 anos”, completa Fabio Silva. “Inicialmente, os investimentos serão oriundos da iniciativa privada através das concessões de saneamento, com o auxílio de bancos financiadores. Depois veremos os investimentos públicos sendo aplicados, com auxílio da iniciativa privada”, diz.
“Do ponto de vista da capacidade de investimentos, possivelmente devem vir em maioria da iniciativa privada, pela relevância dos valores – estudos indicam que serão necessários algo em torno de R$ 520 bilhões até 2033 (fonte: ABCON-KPMG) – e pelos objetivos ambiciosos, que exigirão disciplina e velocidade na execução”, aponta Karine. Ela pondera que a soma desses fatores indica que tanto a iniciativa pública quanto a privada terão grandes oportunidades e desafios nos próximos anos. “Independentemente de onde venham os investimentos, o setor de seguros será beneficiado, uma vez que tem papel fundamental na proteção do patrimônio e bem-estar de pessoas e empresas”, garante.
O novo Marco de Saneamento abre um leque de possibilidades de diversos tipos de seguros, que devem ser explorados pelos corretores em parceria com as companhias. “O segmento de saneamento básico é um dos principais em que a Zurich tem apetite de risco. Atualmente, este setor responde por cerca de 10% do total de prêmios da nossa carteira de infraestrutura”, defende Silva.
“Sabemos que há corretores que são especializados em proteções mais tradicionais, como seguros de vida, automóvel e afinidades, assim como há os que se dedicam a outros produtos, atuando com nichos específicos de clientes. Aqueles profissionais que desejarem expandir sua atuação, oferecendo proteções de riscos de engenharia, riscos operacionais, responsabilidade civil de obras, responsabilidade de civil de operações, E&O e seguro garantia, podem procurar nossas diretorias regionais, que estão à disposição para ajudá-los a entender e oferecer essas proteções. Além disso, com frequência, promovemos diferentes treinamentos”, orienta.
A diretora da Allianz ressalta que o corretor de seguros tem um papel fundamental em todo o processo e deve investir, caso não tenha especialização na área, em cursos de aprimoramento, que podem ser ministrados pela Escola de Negócios e Seguros (ENS) e a FenSeg, entre outros. “É muito importante também que busquem seguradoras com alta capacidade técnica e experiência nos ramos envolvidos, para garantir que as necessidades de seus clientes estarão bem avaliadas e com as coberturas adequadas ao risco. O trabalho conjunto entre corretor e equipe técnica de subscrição é extremamente importante, para evitar surpresas no decorrer das obras”, diz. “Na Allianz, temos centros de competência globais que reúnem profissionais com grande experiência em todas as linhas envolvidas, apoiando as equipes locais na análise de riscos de alta complexidade e estamos preparados para assistir os nossos parceiros da melhor forma possível”, defende.
Para Dabus, o novo Marco do Saneamento traz não somente a perspectiva de novos investimentos, mas também um novo olhar sobre a percepção dos riscos e desafios cada vez maiores de desenvolvimento de projetos de infraestrutura, visando à melhoria da saúde pública e sustentabilidade do planeta.
Conteúdo da edição de junho (232) da Revista Cobertura