Contratação direta de resseguro

CNSP 380/2020 traz alívio de capital para as operadoras de planos de saúde. Por outro lado, é tida como inconstitucional

Karin Fuchs

Pela legislação brasileira, somente as seguradoras podem contratar diretamente o resseguro. Porém, foi editada a Resolução 380/2020, do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), regulamentando a possibilidade de contratação direta de resseguros por entidades de previdência e operadoras de planos de saúde. A CNseg protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação de inconstitucionalidade, ainda indeferida.

Paulo Pereira, presidente da Federação Nacional das Empresas de Resseguros (Fenaber), explica que a Resolução 380/2020 está em vigor. “Não há nenhuma liminar contra ela. Enquanto não for declarada inconstitucional, ela está em vigor”. Ele acrescenta que o resseguro de saúde no Brasil é muito pouco desenvolvido pela concentração das seguradoras.

“O resseguro de saúde é muito pouco desenvolvido no País, pois as grandes seguradoras que operam nesse mercado têm massa de prêmios e capacidade suficiente, e não precisam de resseguro. Quem precisa são as operadoras de saúde suplementar que não têm a capacidade financeira e nem a massa de prêmios que os grandes seguradores têm”, diz.

Com base em dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) são 669 operadoras em atuação no Brasil e a saúde suplementar encerrou 2020 com um total de R$ 227 bilhões em contraprestações líquidas, um volume 5,1% superior ao ano anterior.

Benefícios

Para Arthur Julião Mascarenhas, gerente de Subscrição da Austral Re, o resseguro traz vários benefícios para as operadoras de saúde complementar. “Um dos principais deles está no alívio de capital, que auxilia as operadoras a cumprir as margens de solvência. A ANS pretende igualar as regras de solvência, tal como acontece com Susep hoje, exigindo um outro nível de gestão de risco e capital, medida que deve se concretizar até 2023”.

Outro ponto, destaca Mascarenhas, “é que podemos citar dentro dos produtos do resseguro saúde, o conhecido stop loss saúde, que auxilia na redução volatilidade e, consequentemente, permite menores reajuste de preços aos segurados dos planos no ano seguinte”.

Para Paulo Pereira, uma das vantagens é ter um elo a menos no processo de contratação. Sem a Resolução 380/2020, as operadoras de saúde suplementar não poderiam ir diretamente ao ressegurador, processo que é feito via seguradoras. “Para as operadoras é bom, pois vão negociar diretamente seus contratos com o ressegurador. Por se tratar de um mercado muito competitivo e de margens pequenas, se tiver mais um cotovelo, encarece e até inviabiliza o produto”.

Nesse sentido, Paulo Viveiro, presidente de Resseguros da THB, comenta que com a colocação direta do resseguro, operadoras e resseguradoras se conhecerão melhor. “O que facilitará o entendimento das necessidades de cada um dos lados para a melhor colocação dos contratos, aumentando a importância do trabalho do corretor de resseguros na assessoria de cada uma das operadoras, ao apresentar os riscos da melhor forma para os resseguradores e de modo a trazer soluções personalizadas que mais se adequem à realidade e necessidade da operadora”.

Ele acrescenta que o mercado está em fase de adaptação à resolução 380/2020. “Não só pela mudança que ela traz, mas também por todos os impactos da pandemia, que trouxeram novos desafios para as operadoras de saúde”, e que a resolução traz benefícios para as operadoras, “como por exemplo, na questão da exigência de capital e redução de volatilidade da carteira, tornando-as mais competitivas”.

Ainda de acordo com Viveiro, “como muda o processo de contratação também do lado da operadora, pela nossa experiência, as melhorias da resolução 380/2020 foram melhor aproveitadas por startups do que por operadoras já estabelecidas e com operações sólidas”.

Apetite

A Austral Re é uma resseguradora atuante no mercado de saúde. Mesmo sendo um setor que não compra muito resseguro na atualidade, tende a, de forma geral, crescer com oportunidades em todo o Brasil. “Há apetite, mas com todos os cuidados de um setor que ainda está caminhando em passos iniciais, há cautela.” De forma geral, no mercado nacional, é preciso um entendimento maior das operadoras das vantagens e características de como o resseguro pode atendê-las e de que forma, conforme Mascarenhas.

Segundo ele, desde a regulamentação, a procura pelo resseguro aumentou muito. “Há sempre demandas para estudo de carteiras, como funciona o resseguro e como ele pode ajudar na gestão de capital etc. A contratação pode crescer muito mais. Tem muito a evoluir. É necessário ampliar a cultura das operadoras, investindo em informação para explicar o que deve ser feito num contrato com os resseguradores e seus benefícios para o negócio”.

Paulo Viveiro comenta que “com relação ao apetite das resseguradoras, elas  têm demonstrado interesse em analisar os contratos de operadoras mas de forma mais cautelosa, principalmente pelo aumento das perdas decorrentes da covid-19”. Já Paulo Pereira diz que há apetite, mais ainda de forma tímida. “Muitos estão em compasso de espera por causa da ação de inconstitucionalidade da CNseg, esperando a solução dessa questão para operar mais agressivamente no mercado”.

Momento atual

Sobre o aumento dos riscos para as operadoras neste momento de pandemia no País, Mascarenhas, da Austral Re, esclarece que, a partir de análises feitas, o custo do tratamento não é elevado na observação pessoa a pessoa, em sua maioria, com exceção de casos pontuais. “A maioria delas tem sintomas leves ou mesmo são assintomáticas. Mesmo em casos de UTI, não é um custo alto a ponto de impactar as resseguradoras. Há casos de custos elevados, mas esses são mais esporádicos. A covid-19 trouxe aumento maior de frequência e não de custos individuais”.

Com a pandemia, o que ocorreu foi o adiamento de tratamentos, cirurgias eletivas e afins. “Esses procedimentos foram postergados numa redução de custos que eram previstos para as operadoras. Houve uma compensação. Desta forma, vemos que a sinistralidade não foi maior, assim como os impactos financeiros, como se tinha receio no início da pandemia”, afirma.

Por outro lado, Mascarenhas diz que o grande receio do mercado é que esse custo está reprimido. “As pessoas vão voltar aos hospitais e afins, retomando tratamentos. Todo este custo vai aparecer ao longo de 2021 e em 2022. Com o avanço das vacinas, isso tende a acontecer. Isso, sim, é preocupante para as operadoras e resseguradoras. Esse cenário tende a acontecer num futuro breve e estamos nos preparando para atuar”.

A posição da agência

Paulo Rebello, diretor de Normas e Habilitação das Operadoras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), diz que a medida traz para a saúde suplementar equidade em relação ao mercado de seguros gerais, que já usufrui dessa possibilidade de gestão há décadas. “O resseguro é um importante instrumento de gestão de riscos: suaviza o fluxo de pagamentos e aumenta a previsibilidade, contribuindo para a sustentabilidade do setor”.

Segundo ele, a possibilidade de contratação de resseguros por operadoras de planos de saúde sempre esteve prevista no art. 35-M da Lei nº 9.656, de 1998. “Porém, havia uma interpretação jurídica do órgão regulador de resseguros, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), que impedia a contratação direta de resseguros por entidades que não fossem sociedades seguradoras – limitando a possibilidade de contratação de resseguro na saúde suplementar às seguradoras especializadas em saúde”, informa.

Com a publicação da Resolução CNSP 380/2020, as operadoras de planos privados foram equiparadas às sociedades seguradoras para fins de contratação direta de resseguros, cabendo à Susep a supervisão dessas operações, sem prejuízo das atribuições da ANS. “O resseguro é relevante para setores sujeitos a significativas flutuações, como o setor de planos de saúde. É particularmente importante em períodos atípicos, como quando ocorrem surtos de doenças, crises econômicas ou outro tipo de situação excepcional”, diz Rebello.

Ele acrescenta que operadoras de todos os portes podem alcançar resultados positivos trazidos pelo resseguro, sendo os principais: transferência de parte do risco assumido pela operadora ao ressegurador, garantindo maior proteção financeira de suas operações; possibilidade de suavização da necessidade de capital regulatório e de ativos garantidores para lastro das provisões técnicas; suavização dos picos de sinistralidade; desenvolvimento de melhores práticas de governança e gestão de risco.

“No caso de operadoras de pequeno porte, com carteiras menores, uma única internação de paciente grave por longo período pode ser altamente impactante. Para esses casos, se houver uma operação de resseguro, parte ou a totalidade deste risco seria assumido por um ressegurador”, destaca. E, para finalizar, Rebello comenta que a  expectativa com a contratação direta de resseguros é de melhoria da governança das operadoras e ampliação da concorrência no setor de saúde suplementar, com consequente ganho para os beneficiários.

Conteúdo da edição de junho (232) da Revista Cobertura

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