por Bruno Vaz*
O cenário de negócios internacionais está se tornando cada vez mais desafiador, refletindo na vulnerabilidade das operações logísticas, especialmente com o avanço da multipolaridade nas relações entre nações e o aumento de tensões e conflitos ao redor do mundo. No dia 7 de outubro, o confronto de Israel na Faixa de Gaza completa um ano, marcado por intensos combates que não só agravaram a crise humanitária na região, como também elevaram o risco de um conflito mais amplo no Oriente Médio, envolvendo outros países e potências.
Além das consequências humanitárias e políticas, o conflito impactou diretamente o comércio e a logística globais. Após o início das hostilidades, os Houthis – milícia que controla a maior parte do Iêmen e apoia a causa palestina – praticamente fecharam o Mar Vermelho para embarcações associadas a Israel e seus aliados. Até agora, mais de 70 ataques a navios nessa região foram registrados. A gigante dinamarquesa A.P. Moller-Maersk (MAERSK) relatou que a interrupção no transporte de contêineres pelo Mar Vermelho afeta não só as rotas comerciais entre o Extremo Oriente e a Europa, mas também sua rede como um todo. Os ataques e o bloqueio ao estreito de Babelmândebe prolongaram o tempo de viagem e elevaram as tarifas de frete.
Outros efeitos econômicos também são visíveis: ao norte de Israel, mais de 200 mil pessoas tiveram de abandonar suas casas devido aos confrontos com o Hezbollah. A recente escalada entre o grupo libanês e Israel tomou proporções graves nos últimos dias, levando, inclusive, à entrada direta do Irã no conflito, escalada iniciada com uma operação no Líbano que detonou milhares de pagers fabricados na Hungria sob licença de uma empresa tailandesa e distribuídos localmente.
Neste contexto, os impactos nas operações internacionais são notáveis, afetando principalmente as economias da Europa, EUA e Israel. Os custos logísticos foram drasticamente elevados. Somente em setembro, as seguradoras mais que dobraram o valor do prêmio para cargas que cruzam o Mar Vermelho, subindo de 0,7% para 2% do valor transportado. Seguradoras menores, por sua vez, estão se recusando a assegurar cargas na rota ameaçada pelos Houthis.
Empresas da indústria de alta tecnologia com operações que passam por Israel, como a de semicondutores, também sentiram os efeitos do conflito. O principal porto israelense em Eilat está inoperante desde novembro, após os primeiros ataques no Mar Vermelho, enquanto grande parte da indústria local está paralisada, resultando em suspensões de entregas, cancelamentos contratuais e atrasos.
Dessa forma, a Gestão de Riscos Políticos se torna um pilar estratégico essencial para empresas no cenário global. O trágico exemplo de Gaza pode se repetir em outras regiões, com impactos ainda maiores: tensões crescentes no Mar do Sul da China entre chineses e americanos, a escalada da Guerra na Ucrânia, os conflitos na península coreana e no Mar do Japão, instabilidades na África Setentrional e Subsaariana e a disputa entre Venezuela e Guiana por Essequibo. Essas são apenas algumas ameaças que requerem atenção.
Apesar da importância, muitas empresas ainda encontram desafios na implementação de uma gestão eficaz de Riscos Políticos. Um dos motivos é que essa prática oferece uma recompensa difícil de quantificar — afinal, ninguém recebe crédito por problemas que nunca aconteceram. Muitas vezes, não é possível saber se medidas preventivas realmente evitaram problemas. Além disso, compreender esses riscos é complexo, pois é comum subestimar os fatores políticos e se concentrar em eventos recentes, ignorando a evolução dos riscos ao longo do tempo.
Medir os riscos com precisão também é complicado, devido à dificuldade de prever eventos raros e entender suas intenções políticas. Ademais, empresas tendem a não revisar suas análises de riscos após o primeiro investimento, o que as deixa desatualizadas em um ambiente de rápida mudança. Por fim, comunicar os riscos é igualmente desafiador devido a diferentes perspectivas e interpretações que podem levar a decisões divergentes e a uma má compreensão.
Diante da complexidade das cadeias globais, seja para um mercado local que vende queijo italiano ou uma montadora que opera uma rede logística global, é crucial estabelecer um sistema de Gestão de Riscos Políticos. Esse sistema deve ser capaz de entender o contexto do negócio, analisar claramente os riscos envolvidos, mitigar adequadamente esses riscos com abordagens adequadas e estar pronto para responder a eventos que impactem o negócio, especialmente dado o aumento das instabilidades locais e globais que as cadeias de suprimento vêm enfrentando nos últimos anos.
Com a Guerra de Israel em Gaza completando um ano, novos riscos emergem e os já existentes são ampliados. Qual será o impacto no preço do petróleo caso o estreito de Ormuz seja fechado pelos iranianos? Decisões arbitrárias contra empresas israelenses ou que mantenham negócios com Israel são uma possibilidade? Poderão os EUA se envolverem em um conflito direto com o Hezbollah ou o Irã, gerando uma alta histórica no dólar? O fornecimento de fertilizantes israelenses ao Brasil pode ser interrompido com o agravamento da crise?
Ainda que ninguém espere que as empresas tenham respostas prontas para essas questões, o que se espera é que estejam preparadas para lidar com os Riscos Políticos e que, além desse contexto, saibam fazer seus próprios questionamentos sobre a cadeia em que estão inseridas. Seja para uma greve de colaboradores em uma planta local ou para uma guerra em outro hemisfério, não é mais possível deixar de lado a Gestão dos Riscos Políticos.
*Bruno Vaz é consultor de Riscos & Auditoria Interna da Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.