Em decisão recente a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que operadoras de plano de saúde são obrigadas a custear cirurgia plástica reparadora ou funcional após a realização de bariátrica.
O caso foi julgado em 13 de setembro de 2023 diante do REsp 1.872.321 e REsp 1.870.834, dentro do Tema Repetitivo 1069, sendo assim, haverá formação de precedente que nortearão as decisões em processos semelhantes após o trânsito em julgado.
Essa foi a primeira decisão do STJ após a promulgação da Lei 14.454/2022 – “Lei do Rol da ANS”, que estabeleceu critérios que permitam a cobertura de exames e tratamentos não previstos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.
A tese firmada foi a seguinte:
“(i) É de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida.
(ii) Havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente póscirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnicoassistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador.”
Mesmo após a lei flexibilizar o estabelecido pela Agência Nacional da Saúde como procedimento obrigatório e mesmo após a decisão que estabelece a obrigatoriedade de realização de cirurgia pós-bariátrica, houve o realce da importância do procedimento de Junta Médica como um instrumento balizador e racionalizante em meio ao populismo impregnado nas decisões legislativas e judiciais, pois traz consigo o equilíbrio entre as intenções aparentemente conflitantes entre Operadoras e Beneficiários, sempre pautado pela técnica e pela evidência científica que os casos médicos e odontológicos jamais podem se afastar.
A junta médica tem o objetivo de fazer com que os médicos e ou odontólogos avaliem a adequação da indicação clínica do profissional assistente que foi objeto de divergência técnico-assistencial. Funcionando como uma comissão formada pelo profissional assistente do beneficiário, profissional da operadora e profissional desempatador que podem ser escolhidos em comum acordo pelos outros profissionais de saúde envolvidos.
Sua regulamentação está prevista na Resolução Normativa 424/2017 da Agência Nacional de Saúde que impõe os prazos, limites de realização e a forma de ocorrência da junta. Em suma, ocorrerá da seguinte forma:
O médico assistente solicita a realização de procedimento, contudo, o profissional médico da operadora entende de modo diferente, integral ou parcialmente a realização daquela cirurgia, de sua modalidade ou dos materiais solicitados.
Estabelecida a controvérsia, um terceiro médico ou odontólogo, que deve ter a especialidade registrada em Conselho Profissional da respectiva profissão (CFM ou CFO), fará um parecer desempatador, explicitando os motivos que o fizeram entender pela correção da indicação do médico assistente ou da recusa do médico da operadora, esse parecer será acatado para fins de cobertura, sendo o profissional remunerado pela Operadora.
O instrumento é alvo de críticas por ministros e parte da doutrina, sobretudo, pelo responsável em custear ser a Operadora, contudo, a respeitável crítica não merece guarida.
Se o critério para (in)validar o parecer do Desempatador for o econômico, deveremos utilizar o mesmo critério para validar ou não a solicitação do Médico Assistente que foi ou será remunerado de forma particular ou pela Operadora pelo procedimento solicitado.
A opinião do Profissional Assistente possui grande valia, prevalecendo em diversas oportunidades no âmbito administrativo e judicial, contudo, o arcabouço deontológico que permeia a atuação desses profissionais não afasta a possibilidade de desvios por parte de médicos e odontólogos, não sendo raros os casos de fraude perpetradas por estes profissionais contra as Operadoras de Plano de Saúde.
O procedimento de Junta Médica funciona como verdadeiro instrumento de acesso à Justiça, considerando que impede a negativa pura e simples por parte da Operadora em caso de discordância técnica, sendo um instrumento poderoso a favor do beneficiário, ao passo que funciona também como um instrumento de defesa das operadoras contra eventual má condução de tratamento, possíveis fraudes e desperdícios por parte dos profissionais solicitantes, que, por sua vez, também se releva como ponto positivo para o beneficiário considerando a menor sinistralidade e por consequência melhores preços e reajustes, denotando assim o porquê de os interesses serem apenas “aparentemente” conflitantes.
Sobre o autor:
Juliana Valentim – Formado em direito pela Faculdade de Direito em Sorocaba, pós-graduanda em Direito Processual Civil e atua como Coordenadora na área HealthCare no Vigna Advogados Associados.