Por David de Jesus Neves, subscritor especialista em Grandes Riscos Patrimoniais do IRB(Re)
As mudanças climáticas deixaram de ser uma preocupação futura para se tornarem uma realidade desafiadora que afeta diretamente setores fundamentais da economia brasileira, como o setor elétrico, altamente vulnerável a esses fenômenos. Eventos extremos têm causado danos significativos à infraestrutura energética do país, provocando prejuízos substanciais para empresas e a sociedade. As usinas hidrelétricas, responsáveis pela maior parte da matriz energética brasileira, enfrentam um cenário crescente de incerteza climática, pois dependem diretamente do volume de chuvas. Secas prolongadas, como as ocorridas em 2014 e 2021, reduzem drasticamente os níveis dos reservatórios, o que obriga o país a recorrer a fontes mais caras e poluentes, como as termelétricas. Enchentes e tempestades danificam a infraestrutura de transmissão e as subestações, além de ficarem vulneráveis, também, aos ventos fortes e até incêndios florestais, eventos que se tornaram mais frequentes e intensos nos últimos tempos aumentando os custos de manutenção e reparo.
Quando esses riscos se materializam, os impactos se espalham por toda a economia e o papel das seguradoras e dos resseguradores ganha nova dimensão, pois cabe a elas oferecer soluções para mitigar riscos, formular estratégias de proteção e garantir a sustentabilidade financeira das empresas de energia. Há duas décadas, a Resolução Aneel nº 63/2004 já mencionava que os bens essenciais à garantia e confiabilidade do setor elétrico precisam estar segurados em condições suficientes, suportados por estudos técnicos. Posteriormente, a Resolução nº 846/2019 ratificou este entendimento. A avaliação periódica dos ativos (atualização do valor em risco) é o primeiro passo para que as empresas do setor elétrico não tenham eventual discrepância entre as perdas econômicas e seguradas, em um eventual sinistro. Os profissionais responsáveis pela contratação de seguros precisam adotar postura proativa e estar atentos aos reais riscos das plantas seguradas devido às mudanças climáticas. A tendência é que o setor elétrico fique cada vez mais próximo ao resseguro. O preço em si do seguro não é o balizador mais importante. Números recentes do mercado de seguros refletem o tamanho dos impactos de danos da natureza. Em setembro, a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) divulgou que os pedidos de indenizações relacionados às enchentes no Rio Grande do Sul somaram mais de R$ 6 bilhões – um aumento de 8% entre junho e setembro. A entidade prevê que, a depender das novas solicitações relacionadas aos seguros de Grandes Riscos, os sinistros podem ultrapassar a marca de R$ 8 bilhões. Esses valores já superam os R$ 7 bilhões indenizados aos segurados durante o período da covid-19, demonstrando que os desastres naturais se tornam cada vez mais custosos.
Além disso, estudos internacionais indicam que países com maior penetração de seguros se recuperam em tempo menor após estes eventos. O Brasil, ainda em fase de amadurecimento desse mercado, precisa investir no aumento da cobertura securitária para garantir uma recuperação mais rápida e eficiente. Importante ressaltar ainda a necessidade do aculturamento quanto à contratação de seguros por parte do brasileiro que é muito ínfimo e aquém do ideal tendo em vista que este instrumento de proteção não está na cesta de produtos fundamentais da sociedade brasileira. Nesse contexto, as seguradoras e os resseguradores precisam trabalhar em estreita colaboração com as empresas de energia para oferecer soluções personalizadas e eficientes. A adoção de modelos de gestão de risco, combinada com a tecnologia de monitoramento em tempo real, pode ajudar a reduzir o impacto de eventos climáticos sobre a infraestrutura elétrica. Além disso, as recomendações técnicas dos profissionais de inspeção de risco dos resseguradores, como a adoção de padrões mais rigorosos de segurança, podem ajudar ajudam as empresas com a mitigação de riscos. Outro caminho, indispensável, é o da difusão de informações, crucial para o fortalecimento do mercado de resseguros no Brasil. Seminários, fóruns e eventos com essas temáticas são fundamentais para que os profissionais do setor elétrico compartilhem boas práticas e desenvolvam soluções inovadoras. A criação de fundos de mutualismo, que garantam uma resposta rápida e eficiente após desastres naturais, é também uma estratégia que pode ser explorada no país com base em exemplos internacionais bem-sucedidos.
À medida que os eventos climáticos crescem, também se intensifica a proximidade entre os dois setores. O segmento segurador desempenha um papel vital na proteção e na oferta de apoio técnico, e irá enfrentar esses desafios de forma proativa. Com a gestão adequada dos riscos e a precificação baseada em dados reais, as empresas de energia poderão garantir a continuidade das operações, protegendo seus ativos e minimizando as perdas econômicas. O caminho para o futuro passa por inovação, colaboração e o fortalecimento das relações entre os dois setores, que precisam trabalhar juntos. Estamos prontos para os novos projetos e expansão deste importante setor para o país. Afinal, como diz o ditado, “mares calmos não fazem bons marinheiros”. É hora de navegar pelas águas agitadas e garantir a resiliência do setor elétrico brasileiro.