É preciso ampliar o acesso da população ao seguro, em especial de quem não tem patrimônio suficiente para suportar as adversidades
Anne Wendler
Nos termos do art. 3º, II, da Constituição Federal, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e, portanto, de todos os que integram a República (dentre eles, os entes públicos e privados), é garantir o desenvolvimento nacional.
A dimensão transformadora do desenvolvimento nacional, aliado aos ditames da ordem econômica constitucional, deve ser alcançar a existência digna da sociedade e, portanto, garantir a inclusão de todos os brasileiros às mesmas oportunidades, reduzir desigualdade, a fim de melhorar a qualidade de vida da população.
Em palestra na 8ª Conferência da Advocacia Paranaense, em 27 de outubro de 2023, no Painel promovido pela Comissão de Direito Securitário da OAB/PR, ao abordar o tema “O papel do seguro no desenvolvimento econômico do país”, o professor Alessandro Serafin Octaviani – atual Superintendente da Susep – afirmou que, em sendo o setor de seguros, integrante do sistema financeiro nacional, deve promover o desenvolvimento equilibrado e atender aos interesses da coletividade, em cumprimento ao projeto constitucional. E que não há outra função para a administração pública, inclusive, para a Superintendência de Seguros Privados – Susep, senão a de cumprir a Constituição naquilo que é a competência específica de cada um dos Órgãos.
Em relação ao setor de seguros, quanto ao projeto constitucional de promover o desenvolvimento nacional, há muito o que fazer e expandir. E, nesse cenário de expansão, há que se ter o olhar voltado para a ampliação do acesso da população ao seguro, em especial a população que precisa consumir seguro, isto é, aquela que não tem patrimônio suficiente para suportar as adversidades.
O Brasil possui um baixo índice de penetração do seguro na sociedade. Alguns pontos devem ser considerados para que se entenda esse gap de proteção no Brasil, dentre eles, a condição financeira, uma vez que nossa população é majoritariamente de baixa renda (67% dos trabalhadores recebem menos de 2 salários mínimos).
É necessário desenvolver produtos voltados para esse público, que – em verdade – é o que sofre maior impacto financeiro na hipótese de ocorrência de determinado acontecimento futuro não desejado.
Segundo destaca Octaviani, ainda na Conferência da Advocacia Paranaense, será implementada uma Política Nacional de Acesso ao Seguro, para alcançar o potencial de mercado, mediante o desenvolvimento de produtos que melhor atendam às necessidades da sociedade.
O primeiro passo para a efetivação dessa Política Nacional de Acesso ao Seguro, que tem como foco englobar pessoas que nao possuem acesso ao seguro, é a expansão do microsseguro.
O microsseguro tem previsão na Resolução CNSP nº 409 de 30/06/2021 e não obstante, não haja uma única definição de microsseguro, o art. 2º da citada Resolução, classifica como microsseguros, os seguros desenvolvidos e estruturados para a população de baixa renda, os microempreendedores individuais, as microempresas ou as empresas de pequeno porte.
Os microsseguros também são conhecidos como seguros inclusivos, pois possuem uma peculiaridade que os distingue dos demais seguros, a saber: o seu valor é bem mais acessível.
No livro Dos Microsseguros Aos Seguros Inclusivos no Brasil, Edson Calheiros afirma: “Destaca-se na possibilidade de atenuar um grande problema que aflige a maioria da população carente, a proteção dos familiares em situações vulneráveis. Conhecemos inúmeros casos em que o provedor da família é acometido por algum acidente, deixando desassistidos todos os seus dependentes, que muitas vezes não têm sequer recursos para a realização de um funeral. Percebe-se também, na classe de menor renda, que os acidentes acarretam consequências desestabilizadoras, de maneira que diversas famílias, carentes de recursos para um tratamento digno, ficam à mercê da própria sorte. Importante ressaltar que o microsseguro nao solucionará problemas financeiros do segurado, porque o mais importante é oferecer um plano de cobertura ao contratante, possibilitando, assim, levar tranquilidade e conforto pscicológico aos seus dependentes.”
Em Seguros Inclusivos: O Desafio do Crescimento Numa Sociedade Desigual, Bento Aparecido Zanzini afirma que, embora o mercado segurador apresente dinamismo e taxas relevantes de crescimento a cada ano, essa dinâmica acaba por atender a um público relativamente restrito, como pessoas físicas de maior poder aquisitivo e empresas, que representam pequena parcela da população, indicando, portanto, ser necessária uma abordagem diferenciada orientada para seguros inclusivos e sustentáveis.
“Em seus estudos a respeito desse mercado desatendido no Brasil, realizado ainda em 2009, o CENFRI – The Center for Financial Regulation & Inclusion chamava atenção para um grande mercado desatendido. Naquele estudo, era estimado que o mercado de seguros brasileiro poderia cobrir entre 40 e 50 milhões de pessoas dos quais aproximadamente entre 30% e 37% de adultos. Destes, entre 23 e 33 milhões de pessoas representariam a base de clientes de microsseguro existente”, descreve Zanzini.
Outro ponto a ser observado ao se questionar a baixa penetração do seguro na sociedade é ausência de uma cultura de seguro (a desconfiança, o desconhecimento do seguro pela população). Isto é, falta uma maior aproximação entre segurado e segurador e, nessa linha, a tecnologia é um caminho para superar tal óbice.
O microsseguro vem se expandindo no Brasil, especialmente pelo surgimento das insurtechs, que vêm desenvolvendo produtos mais acessíveis, de fácil entendimento, alcançando público nunca antes atingido, mediante investimento em novas tecnologias.
A digitalização do serviço de proteção securitária, por meio das insurtechs, além de reduzir o custo (exexemplo: custos administrativos, operacionais), vem atraindo camada da população que não conhece o seguro, até mesmo os mais jovens.
Para o setor de seguros, tem-se como relevante para o atingimento de uma política de acesso ao seguro, a função de organizar a economia popular de forma a viabilizar o seguro à população de menor renda, para amenizar as consequências desestabilizadoras dos mais vulneráveis.
Nesse cenário, o microsseguro – embora seja uma tendência recente – surge como uma oportunidade de transpor o desafio de se atingir tal parte da sociedade excluída num mundo globalizado, mediante oferecimento de produtos adaptados à comunidade, aliado às novas tecnologias, design, flexibilidade e baixo custo.
Para tanto, indispensável o comprometimento e vontade dos stakeholders, na busca de estratégia de desenvolvimento de seguros inclusivos e, por consequência, o atingimento do objetivo constitucional do desenvolvimento nacional.
*Anne Wendler é advogada, sócia no Rücker Curi Advocacia e Consultora Jurídica