Por José Luiz Toro da Silva. Advogado. Mestre, Doutor e Pós Doutor em Direito
A aplicação da Inteligência Artificial no Brasil, em diversas aéreas do conhecimento humano e atividades empresariais, está em evidência na mídia e em diversos eventos.
Todavia, ainda não temos lei tratando do assunto, sendo que o Projeto de Lei n. 2338/23, de iniciativa do Senador Rodrigo Pacheco, atual presidente do Senado Federal, é o que está num estágio mais avançado de discussão, porém sem perspectiva de sua aprovação com brevidade para depois ser apreciado pela Câmara dos Deputados.
Já na União Europeia, o parlamento já aprovou meses atrás o Regulamento da Inteligência Artificial, que vigora integralmente a partir de agosto de 2026. Mas já em fevereiro de 2025 começam a ser aplicadas as proibições de sistema de IA considerados como de risco inaceitável. Aludida norma estabelece e regula quatro categoriais de riscos: a) risco inaceitável; b) risco elevado; c) risco limitado; e d) risco mínimo.
Assim como ocorreu com a Lei Geral de Proteção de Dados Brasileira, a regulação que será adotada no Brasil seguirá os passos da legislação europeia, porém, como já manifestamos, o grande desafio é regular e calibrar essa tecnologia, buscando equilibrar direito, tecnologia e inovação.
Esse assunto avançou na Europa e está sendo debatido nos EUA, porém, no Brasil – não obstante o auxílio de uma renomada comissão de juristas – o PL 2338/23, ainda não está maduro. Foram apresentadas cerca de 145 emendas no Senado Federal e realizadas mais de 20 audiências públicas.
Mas, mesmo sem uma regulação específica, a IA encontra-se em implementação em diversos setores, com vultosos investimentos, inclusive na área da saúde. O próprio Governo Federal já anunciou o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), com um inversões de R$ 23 bilhões de 2024 a 2028.
A implantação sem regras específicas contém riscos. As aplicações na área da saúde para auxiliar diagnósticos e procedimentos médicos são consideradas como atividades de “alto risco”, inclusive no PL que está em discussão.
Todavia, apesar de inexistir uma lei para disciplinar tais atividades, o direito já possui diversos instrumentos jurídicos para coibir ou responsabilizar aqueles que estão realizando tais atividades com sensível risco para os pacientes e os consumidores.
Desde as questões de responsabilidade civil, inclusive, objetiva, previstas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 1990), até mesmo aspectos relacionados a Proteção de Dados, que é disciplinada pela Lei n. 13.709, de 2018, e aspectos éticos que são disciplinados pelo Código de Ética Médica, já existe uma expressiva legislação esparsa que poderá ser aplicada a esse setor.
Lembre-se que já possuímos diversos instrumentos jurídicos para avaliar a responsabilidade daqueles que estão se utilizando da IA em suas atividades, chamando especial atenção, entre outros, os princípios (i) do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, (ii) da necessidade da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem de econômica prevista no art. 170 da Constituição Federal, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, (iii) educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; (iv) da coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízo aos consumidores.
O Código de Defesa do Consumidor ainda estabelece, entre outros, os seguintes direitos básicos: (i) proteção da vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; (ii) educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas as liberdades de escolha e igualdade nas contratações; (iii) informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (iv) a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; v) efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; vi) acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; (vii) a facilitação da defesa de seus direito, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Verifica-se que, não obstante não termos um lei que discipline no uso da Inteligência Artificial, o arsenal jurídico existente já garante a responsabilização daqueles que se utilizam desta nova tecnologia na área da saúde, quando estas acarretarem riscos à saúde ou segurança dos consumidores, evidenciando, principalmente, o dever de informar, sendo recomendável, em algumas situações, a utilização de termo de consentimento livre e esclarecido, a fim de eliminar ou mitigar os riscos dos fornecedores de bens e serviços que se utilizam da IA em suas atividades.
Precisamos acompanhar os desdobramentos da regulação europeia da IA, pois, assim como aconteceu com a LGPD, a lei brasileira irá se espelhar na mencionada legislação, reiterando que precisamos encontrar um equilíbrio entre direito, tecnologia e inovação, com a devida proteção de todos os utentes, principalmente na área da saúde.