Por Dino Pieczynski, Diretor de Talent & Human Capital da Aon para a América Latina e
André Felipe Katz, Gerente de Talent, Reward & Performance da Aon no Brasil
No final dos anos 1990, a ONU lançou o Pacto Global com a intenção de promover princípios de responsabilidade social e direitos humanos. Dentre esses princípios, o primeiro destacava a importância de garantir um padrão de vida digno aos trabalhadores — uma discussão que se mantém relevante até hoje com o conceito de “salário digno”. Mas, afinal, o que significa, na prática, oferecer um salário digno e como as empresas podem incorporar esse conceito em suas estratégias de valor?
Segundo a Global Living Wage Coalition, salário digno é definido como a remuneração suficiente para proporcionar um padrão de vida decente ao trabalhador e sua família. Isso inclui aspectos como alimentação, habitação, saúde, educação e transporte — além de outras necessidades essenciais e provisão para imprevistos. No Brasil, mais de 2.200 empresas são signatárias do Pacto Global, mas a definição e a implementação de um salário digno ainda geram muitas dúvidas e debates.
O Movimento Salário Digno visa garantir que, até 2030, toda a força de trabalho receba uma remuneração suficiente para uma vida digna — independentemente do gênero, cargo ou tipo de contratação. Esse movimento tem o potencial de impactar não apenas os colaboradores diretos, mas também toda a cadeia de fornecimento das organizações.
Muito além do Salário Mínimo
Implementar o salário digno é um compromisso com o bem-estar dos colaboradores. É reconhecer que o valor do trabalho deve garantir não apenas a sobrevivência, mas permitir uma vida digna e confortável. O conceito difere do salário mínimo convencional, que muitas vezes não cobre todas as necessidades básicas.
A metodologia para o cálculo do salário digno não segue um padrão fixo, pois depende de fatores como custo de vida local, disponibilidade de serviços públicos e necessidades específicas da família do trabalhador. Por isso, é importante considerar elementos como habitação, alimentação e outras despesas essenciais.
Cálculo e desafios
Para garantir um salário digno, três componentes são consensuais entre os especialistas: custo da moradia, custo da alimentação e outros custos essenciais (como transporte e educação). No entanto, cada um desses elementos apresenta desafios às empresas. Por exemplo, considerar o custo da moradia envolve não apenas o preço do aluguel, mas também a qualidade do imóvel, segurança e condições de saneamento. Já o custo da alimentação deve levar em conta uma dieta balanceada e a composição da família.
Outro desafio importante é o impacto econômico. Definir um salário digno com base em custos de cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, por exemplo, pode gerar inflação em regiões com menor custo de vida. Isso faz com que o valor pago em grandes centros acabe elevando os custos também em locais onde, a princípio, a realidade é mais barata.
Uma proposta que vai além do salário
Mais do que oferecer um valor adequado, a proposta do salário digno deve incluir um pacote de benefícios robusto e práticas que aumentem a qualidade de vida dos colaboradores. Isso envolve desde planos de saúde e alimentação até programas de bem-estar e educação financeira. Este último, em especial, é essencial para que os colaboradores consigam administrar melhor sua renda, garantindo não só o presente, mas também sua segurança financeira futura.
Soluções voltadas para o cálculo preciso do salário digno e o suporte na implementação de práticas e políticas que visem o bem-estar dos trabalhadores são fundamentais. Além disso, é essencial que as empresas obtenham o apoio da alta liderança, crucial para tornar esse conceito uma realidade.
Impacto e Perspectivas
A implementação de um salário digno tem o potencial de transformar o ambiente corporativo e, em última análise, a sociedade. Ao remunerar de forma justa, as empresas não só atraem e retêm talentos, mas também contribuem para a diminuição das desigualdades sociais e para o desenvolvimento econômico das comunidades onde atuam.
Nesse contexto, a questão não é se as empresas devem ou não adotar o salário digno, mas como farão isso. A discussão é urgente e necessária, e o futuro do trabalho dependerá cada vez mais de soluções que garantam não apenas a produtividade, mas também a dignidade e qualidade de vida dos trabalhadores.