Por Paulo Loureiro*
O conceito de fraude está associado a qualquer ato enganoso e de má fé que tenha como objetivo lesar alguém em benefício próprio. Na saúde suplementar, ele está relacionado a práticas antiéticas que ocorrem de diversas maneiras. Do ponto de vista econômico, o prejuízo é considerável.
No final de 2022, por exemplo, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), representante de 14 grupos de planos de saúde no país, apresentou ao Ministério Público de São Paulo uma notícia-crime sobre uma rede de empresas de fachada criada com o intuito de fazer pedidos de reembolsos fraudulentos em larga escala contra essas operadoras, que somaram cerca de R$ 40 milhões. Foram identificadas 179 empresas de fachada e 579 beneficiários “laranjas”. Ao todo, houve 34.973 solicitações de reembolsos fraudulentos. Desse total, ao menos R$ 17,7 milhões chegaram a ser pagos por quatro operadoras de saúde.
Esse gasto milionário das operadoras de saúde poderia estar sendo utilizado para o atendimento de outros beneficiários, desenvolvimento de programas de promoção da saúde ou ainda influenciando no cálculo do reajuste das mensalidades, facilitando o acesso para se manter um plano médico-hospitalar.
O principal motivo desses atos ilícitos é a ausência de mecanismos efetivos de controle e transparência, seja para prevenir ou combater as ações. Como consequência, os custos dos procedimentos médicos acabaram gerando gastos cerca de um terço maior do que deveriam, impactando nas mensalidades e na inflação médica.
As operadoras de planos de saúde são importantes engrenagens para o funcionamento do sistema de saúde do País. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2023, os planos de saúde oferecem assistência médico-hospitalar a 50,3 milhões de brasileiros, sendo que 84% do faturamento dos hospitais e 54% dos laboratórios vêm dos planos de saúde.
Embora seja operada pela iniciativa privada, a atividade é regulada pelo poder público e faz jus ao artigo 196 da Constituição, no qual é assegurado ao cidadão que a “saúde é direito de todos e dever do Estado”. Assim, os danos causados por fraudes afetam todo o sistema de saúde, além de prejudicar os beneficiários de forma individual com o aumento das mensalidades.
Há diversas situações passíveis de corrupção e fraude na área da saúde, e isso dificulta a detecção de atividades ilícitas, uma vez que elas podem ocorrer na esfera pública, nos planos privados, nos hospitais, por meio de profissionais de saúde, pacientes, fornecedores e prestadores de serviço. Recentemente, o Itaú demitiu 80 funcionários por uso indevido do plano de saúde. Segundo o banco, os trabalhadores fizeram pedidos de reembolso de consultas e outros procedimentos de forma fraudulenta.
Fraudes mais comuns identificadas no mercado:
• Uso de dados pessoais de terceiros
Assim como a senha do banco, o login e a senha de acesso ao site e aplicativo do plano de saúde devem ser confidenciais. Os beneficiários podem ser induzidos a fornecer seus dados com a promessa de ter ajuda para a realização de algum processo junto à operadora. Mas com posse desses dados, terceiros podem ter acesso a informações pessoais e utilizá-las de forma inadequada, por exemplo, para alterar a conta bancária vinculada ao reembolso ou para solicitar reembolso de procedimentos não realizados.
• Fracionamento de recibo
Quando uma única consulta ou procedimento é realizado, mas emite-se mais de um recibo ou nota fiscal com o objetivo de conseguir um reembolso total mais alto, configura-se uma prática irregular e fraudulenta. O pedido de reembolso deve informar corretamente o procedimento ou a consulta realizada, assim como o valor efetivamente desembolsado, para pagamento com base nas cláusulas contratuais.
• Reembolso sem desembolso
Nesse caso, as clínicas oferecem tratamentos supostamente “gratuitos”, sem nenhum pagamento, mas em contrapartida exigem que se ceda um crédito de reembolso. No entanto, não existe crédito a ser cedido, já que não houve pagamento. Ainda há, nesses casos, situações nas quais são oferecidos procedimentos que não têm cobertura do plano de saúde.
• Empréstimo de carteirinha
A carteirinha do plano é pessoal e intransferível. Quando uma pessoa se passa por outra para usar o plano de saúde de um terceiro está cometendo crime. Assim como aqueles que cedem sua carteirinha para esse uso. Além das punições previstas em lei para esse tipo de caso, fraudes contra o plano de saúde contratado pela empresa podem ocasionar demissões.
• Falso estado clínico
A alteração do estado clínico do paciente (classificação da doença no pedido médico) para solicitar procedimentos desnecessários, excessivos ou não cobertos pelos planos de saúde – por exemplo, para fins estéticos -, além de ser ilegal, muitas vezes coloca a saúde do paciente em risco.
Condutas ilícitas podem acarretar o cancelamento do plano de saúde e trazer prejuízos ao próprio consumidor. Caso o beneficiário tenha qualquer dúvida em relação ao processo de reembolso, deverá sempre buscar esclarecimento diretamente com a operadora.
Por fim, lembre-se que, ao realizar consultas, exames e outros procedimentos sujeitos a reembolso, o pagamento deve ser feito antes de solicitar o reembolso, e devem ser encaminhados todos os documentos que comprovam a realização do procedimento e o pagamento. Em hipótese alguma compartilhe o login e senha do aplicativo do seu plano de saúde. Procedimentos estéticos não têm cobertura pelos planos de saúde. Caso receba ofertas nesse sentido, recuse.
A empresa de tecnologia FCamara desenvolveu uma ferramenta de reconhecimento facial 100% off-line e integrada ao ecossistema de um hospital, um exemplo de combate às fraudes contra planos de saúde. A solução eliminou em 98% as fraudes decorrentes do uso indevido de dados, reduzindo o tempo de permanência nas unidades em 36%. O objetivo foi automatizar o processo de check-in do paciente, escaneando seu rosto na recepção, para não haver equívocos na identificação do paciente nas etapas seguintes de atendimento. A solução chegou a pedido de uma unidade de saúde, que enfrentava altos prejuízos financeiros com a apuração e identificação de fraudes no uso do plano dos pacientes.
Como visto, a tecnologia deve ser uma aliada no processo de combate às fraudes ao sistema de saúde suplementar. Por meio de uma análise conjunta de dados e usando inteligência artificial, é possível garantir a sustentabilidade financeira dos planos de saúde e impedir que os recursos dos beneficiários sejam usados de forma indevida. Além disso, as estratégias para diminuir as fraudes precisam visar a criação de leis anticorrupção, a transparência de informações e a implementação de novos modelos de pagamento prospectivos.
Paulo Loureiro é Vice-Presidente de Saúde e Benefícios da MDS BR*