Em vez de depender de perdas reais, índices paramétricos utilizam dados climáticos para acionar pagamento de indenizações
José Marciano da Silva Neto
O setor agrícola desempenha um papel fundamental na economia brasileira, fornecendo alimentos, matérias-primas e sustento para milhões de pessoas. No entanto, a agricultura é suscetível a uma série de riscos, e as condições climáticas desempenham um papel crucial no sucesso ou fracasso das colheitas. Mudanças e eventos climáticos extremos estão tornando o setor agrícola ainda mais vulnerável a perdas financeiras.
Para mitigar esses riscos, o seguro rural desempenha um papel crucial ao oferecer proteção financeira aos agricultores. Tradicionalmente, os seguros agrícolas se baseiam em dados históricos e perdas reais, mas essa abordagem enfrentou desafios significativos, especialmente devido à crescente volatilidade climática.
Nos últimos anos, uma abordagem inovadora tem ganhado destaque: o uso de índices paramétricos no seguro rural. Em vez de depender de perdas reais, os índices paramétricos utilizam dados meteorológicos e climáticos para acionar o pagamento das indenizações. Essa abordagem promete maior rapidez e eficiência no pagamento de sinistros, o que é crucial em momentos de crise.
Este artigo pretende lançar luz sobre essa abordagem promissora, oferecendo uma compreensão aprofundada de seu potencial para revolucionar o seguro rural e, em última instância, fortalecer a segurança financeira dos agricultores em todo o território nacional.
Também chamado de seguro de índices climáticos, o seguro paramétrico é voltado para produtores rurais que se baseia em eventos climáticos e seus índices. Ao contrário do seguro rural tradicional, esse tipo de apólice não está vinculado diretamente à produção agrícola em si. O evento considerado como sinistro não são as perdas diretas na produtividade devido a determinadas condições climáticas, mas sim a discrepância entre os índices climáticos previstos e o que realmente ocorreu.
Para determinar esses parâmetros, geralmente são utilizados dados de fontes públicas ou informações de estações meteorológicas privadas. O aspecto crucial é que essas informações sejam verificáveis tanto pelo segurado quanto pela seguradora. Isso torna o seguro paramétrico uma ferramenta valiosa para proteger os produtores rurais contra eventos climáticos adversos, mesmo quando as perdas exatas na produção são difíceis de quantificar.
Para compreender o funcionamento do seguro paramétrico, podemos simplificá-lo da seguinte maneira: quando você adquire uma apólice desse tipo de seguro agrícola, estabelece-se em contrato alguns parâmetros, como temperatura ou níveis de chuva. Se esses índices, mais tarde, não estiverem de acordo com o que foi acordado – ou seja, se estiverem fora dos limites definidos no contrato – isso é considerado um sinistro. E, como resultado, uma indenização é paga.
Essa abordagem significa que, no contexto desse seguro, um sinistro não está relacionado às perdas reais ou aos danos que eventos climáticos podem ter causado ao produtor rural. Em vez disso, está relacionado à diferença entre os índices que eram esperados e o que de fato aconteceu em termos climáticos durante um período específico.
O seguro de índices climáticos, como o nome sugere, está diretamente relacionado a eventos meteorológicos, e os parâmetros definidos nas apólices estão ligados a esses eventos. O principal parâmetro utilizado é o nível de precipitação, que indica excesso de chuva ou períodos de seca. No entanto, os contratos também podem considerar parâmetros como temperatura, ventos e outras condições climáticas.
Geralmente, os dados usados para elaborar esses contratos são coletados por instituições reconhecidas na área, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e outras fontes confiáveis.
No contexto do seguro rural paramétrico, as culturas de interesse são variadas e podem ser aplicadas a diferentes segmentos agrícolas. Isso engloba tanto a agricultura de grãos, como soja e milho, quanto as frutas, como maçãs e uvas, e até mesmo segmentos como a pecuária. Em resumo, o seguro paramétrico é uma ferramenta versátil que pode ser adaptada para atender a uma ampla gama de culturas e setores do agronegócio.
Ainda, para além do contexto agropecuário, o seguro paramétrico pode ser aplicado em uma variedade de atividades econômicas que são sensíveis às condições climáticas. Como exemplo, o seguro paramétrico encontra aplicação em setores como a indústria e a produção de energia, onde as condições climáticas desempenham um papel crucial. Além disso, é relevante para setores como eventos, construção e hotelaria, sendo importante destacar que tanto indivíduos como empresas podem contratar esse tipo de seguro.
Entre as vantagens do seguro paramétrico, merecem destaque a capacidade de personalização da apólice, a proteção contra eventos inesperados, a dispensa de danos materiais substanciais como requisito, a minimização de perdas e a preservação da estabilidade dos negócios, além da facilidade no processo de recebimento de indenizações.
Como visto, o seguro rural paramétrico é uma proteção inovadora que se torna acessível aos pequenos agricultores que tradicionalmente não tinham acesso a coberturas de seguro devido à falta de informações e recursos. Ao eliminar a necessidade de perícia presencial, torna-se uma solução viável para pequenas propriedades. Isso garante aos agricultores familiares uma indenização justa em casos de problemas climáticos, permitindo que se recuperem e continuem a produzir alimentos, mantendo sua renda, segurança alimentar e preservando o ecossistema local.
Ainda, a contratação do seguro pode ser organizada de forma coletiva por meio de associações e cooperativas, fortalecendo essas entidades no apoio à produção agrícola. Isso significa que os agricultores podem se unir para adquirir essa proteção e compartilhar os benefícios. A simplicidade dos gatilhos para acionamento das apólices facilita o processo, desde a contratação até o término da cobertura, tornando-o uma solução viável e eficaz para essas organizações.
Como política pública, o seguro paramétrico tem potencial para contribuir para a segurança alimentar do país, uma vez que mais de 70% dos alimentos consumidos no Brasil são produzidos por agricultores familiares. Ao proteger esses agricultores das incertezas climáticas, o seguro paramétrico ajuda a garantir que eles permaneçam em suas terras, continuem a produzir alimentos e preservem o meio ambiente. Isso é crucial para a segurança alimentar e o uso sustentável da terra.
Com o intuito de alcançar esse objetivo, no ano de 2021, no âmbito do Programa de Seguro Rural (PSR) do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o Governo Federal deu seu aval para um subsídio de 20% sobre o prêmio do seguro paramétrico. Recentemente, o Ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, solicitou, por meio de uma Nota Técnica, a alocação de um crédito suplementar no Orçamento Geral da União (OGU) no valor total de R$ 500 milhões destinados à concessão de subvenção econômica para o PSR.
Atualmente, o PSR abrange 106 mil apólices, trazendo benefícios para mais de 74 mil produtores em uma área que se estende por aproximadamente 5,5 milhões de hectares. A avaliação técnica conduzida pelo Departamento de Gestão de Riscos da Secretaria de Política Agrícola do Mapa aponta que existe uma probabilidade considerável de que o fenômeno El Niño tenha um impacto significativo na safra 2023/2024, com um risco maior de estiagem nas regiões Norte e Nordeste, além de previsões de chuvas excessivas na Região Sul.
Esses recursos desempenham um papel fundamental ao assegurar que os produtores possam enfrentar crises climáticas e superar adversidades. Seja devido ao excesso de chuva em um momento ou à seca em outro, eles podem plantar e colher com a confiança de que suas lavouras estão protegidas por meio do seguro.
Em resumo, o seguro paramétrico representa uma abordagem inovadora para o seguro agrícola, afastando-se da tradicional dependência de perdas reais em favor do uso de índices climáticos como referência. Isso se traduz em uma série de vantagens, incluindo a possibilidade de personalização, proteção contra eventos imprevisíveis, dispensa de danos materiais substanciais, minimização de perdas e facilidade na obtenção de indenizações.
Essa abordagem não apenas beneficia grandes agricultores, mas também se torna acessível aos pequenos agricultores por meio de associações e cooperativas. Com a simplicidade dos gatilhos para acionamento de apólices, o seguro paramétrico se torna uma solução viável e eficaz. Além disso, como política pública, ele contribui significativamente para a segurança alimentar do país, protegendo agricultores familiares e garantindo a produção de alimentos, ao mesmo tempo em que preserva o meio ambiente.
A importância do seguro paramétrico é refletida nas iniciativas do Governo Federal, que aprovou subsídios e alocação de recursos substanciais para apoiar o Programa de Seguro Rural, demonstrando seu compromisso com a segurança financeira dos produtores agrícolas. Com previsões de mudanças climáticas e eventos extremos, o seguro paramétrico desempenha um papel crucial na garantia de que os agricultores possam enfrentar crises climáticas e adversidades com confiança, mantendo suas lavouras protegidas. Em última análise, esse seguro é uma ferramenta essencial para a sustentabilidade do agronegócio no Brasil e para a segurança alimentar de toda a nação.
*José Marciano da Silva Neto é advogado e sócio no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Juridica