Levar em conta as preferências e necessidades dos consumidores para desenvolver seguros, aplicar critérios ASG na contratação e remuneração de gestoras de ativos e ser mais transparentes na divulgação de investimentos das seguradoras e entidades de previdência são apenas três das diversas recomendações do estudo “Recomendações para fortalecimento da consideração de questões climáticas e socioambientais nas regulações de seguros e previdência brasileiras”, desenvolvido pela Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS).
Seguradoras e entidades de previdência complementar (abertas e fechadas) têm um grande poder de alavancar a agenda socioambiental no Brasil, dado o alto volume de ativos sob sua gestão, que chega perto de R$ 3 trilhões, o que faz delas as principais investidoras institucionais. Além disso, o setor de seguros também desempenha papel fundamental na economia, ao calcular e mitigar riscos aos quais empresas, ativos patrimoniais e pessoas estão expostos.
As recomendações do estudo são destinadas à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), que é o ente regulador/supervisor de seguradoras, resseguradoras, sociedades de capitalização e entidades abertas de previdência complementar, e à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), que é o regulador/supervisor de entidades fechadas de previdência complementar, também chamados de fundos de pensão. “Escutar o consumidor e levar em consideração suas demandas e necessidades, em um mundo em que as pessoas são cada vez mais impactadas pelos efeitos da crise climática é apenas um dos pontos que as seguradoras e entidades de previdência precisam considerar”, explica Luciane Moessa, autora do estudo e Diretora Executiva e Técnica da SIS.
De acordo com os resultados do Ranking da Atuação Socioambiental de instituições financeiras (RASA), iniciativa da SIS que avalia Políticas e Ações ASG de instituições financeiras que, no segundo semestre de 2023, avaliou seguradoras e entidades de previdência abertas e fechadas, mesmo após SUSEP e PREVIC já terem expedido normas abordando (ao menos de forma genérica), a gestão de riscos de natureza ambiental, social e de governança em relação às atividades de investimento nas entidades que supervisionam, o estágio do mercado brasileiro de previdência nessa matéria é bastante incipiente. A SUSEP também fez o mesmo para a atividade de subscrição de riscos das seguradoras e, do mesmo modo, o tema ainda não está realmente integrado à atividade.
Os resultados foram divulgados em webinar que contou com a participação de Danielle Carreira, Diretora de Engajamento com o setor financeiro do World Economic Forum, Natalie Unterstell, Presidente do Instituto Talanoa, e Vinícius Brandi, Subsecretário de Reformas Microeconômicas do Ministério da Fazenda.
Segundo Danielle, é muito importante que o setor financeiro e o corporativo tracem juntos soluções para combater a crise climática e a crise da natureza. “Esses assuntos estão interligados. Embora o Brasil esteja envolvido nessa agenda há muito tempo, temos visto avanços e retrocessos. É importante que haja no país uma discussão que envolva esses atores e a sociedade civil”, afirmou.
Ela destacou ainda a necessidade de tomar decisões focadas em dados, mas não apenas dados ASG do passado. “Dados devem contar a história de como está sendo a transição. Como grandes gestores e grandes fundos podem identificar as empresas que estão à frente nessa transição? Quais são as melhores e como vão direcionar o fluxo do capital? O que precisa ser feito?”, indaga. Danielle, que coordena uma iniciativa global de investidores focados em riscos de desmatamento nas suas carteiras de investimentos, também ressaltou a importância de se considerar as emissões GEE da cadeia de valor (o chamado “escopo 3”), o que infelizmente ficou de fora da norma do regulador do mercado de capitais dos EUA editada na semana passada.
Já Vinícius Brandi, que atua na área de regulação financeira no Ministério da Fazenda, explicou que hoje existe consciência solidificada de que o risco climático é um risco financeiro e é um risco que deve ser tratado no âmbito do mercado financeiro. “Ele afeta o balanço das instituições e das entidades financeiras como um todo, seja nas operações ativas, no crédito, quanto na parte das operações operações passivas, em particular o mercado de seguros.”
Brandi ainda afirmou que o mercado de seguros e previdência tem papel especial por ser o setor que oferece cobertura para risco climático. A relação do risco climático está diretamente relacionada à atividade das seguradoras. “No Brasil temos mais de 3 trilhões em investimentos desse setor e grande parte está em títulos de renda fixa do Tesouro Nacional. Precisamos trazer esse investimento para o setor produtivo e privado. O papel do Sistema Financeiro Nacional, de alocar recursos na economia, é direcioná-los para as atividades mais produtivas e eficientes para a sociedade e para o que gera mais renda e assegura ampla justiça social e preserva os aspectos de sustentabilidade”. Ele destacou que o Ministério está focado em sustentabilidade nos investimentos e em inovação em produtos financeiros (como já ocorre com o seguro paramétrico e as letras de riscos de seguros).
Tanto ele quanto Danielle ressaltaram a necessidade de harmonização entre os diferentes segmentos do setor financeiro, o que ainda não ocorre no Brasil, em que o setor bancário está bem mais avançado que os de seguros e previdência complementar.
Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, também elogiou o estudo, mas destacou que no Brasil há por um lado reguladores que trabalham com essa abordagem há um tempo, mas há também uma agenda carregada de formulação de um Plano Clima, nacional, que vai abranger 15 setores e segmentos na porção de adaptação e 8 na porção mitigação e essa agenda não está alinhada, por exemplo, com o PAC. Para ela, o novo PAC é um planejamento que não investe em adaptação e não considera risco climático. “Estamos tratando de R$ 1,7 trilhão para esse programa que parece acontecer em outro planeta, mas o planeta é o mesmo. Portanto, temos aqui uma oportunidade interessante de ver como essa interface pode se dar. Não é uma conversa fácil, mas precisa ser tentada.”
Unterstell destacou que o país vai desenvolver até junho estratégias gerais e, depois, estratégias mais específicas, por setores econômicos, que vão fornecer dados sobre trajetória de emissões e cenários climáticos sobre os dois tipos de riscos, o de transição e os riscos físicos e isso precisa ser considerado para todas as políticas públicas. Ela também citou o Monitor de Desastres Climáticos do “Política por Inteiro”, como uma das iniciativas importantes do Instituto Talanoa e que agrupa informações sobre o tema no Brasil.
Sobre o estudo
O estudo traz recomendações de cunho normativo em matéria ASG dirigidas aos reguladores. Para chegar a elas, a SIS analisou: a) regulações e diretrizes já existentes no Brasil nessa matéria; b) regulações e diretrizes nessa matéria em outros países e sua possível utilidade/adaptabilidade ao mercado brasileiro; c) estudo realizado pela PREVIC em 2021 nessa matéria para o universo dos fundos de pensão, e os resultados do RASA em 2023, para buscar dados objetivos sobre o estágio atual do mercado brasileiro; d) recomendações das redes globais de reguladores de seguros e de previdência, bem como estudos (acadêmicos ou não) relevantes para essa agenda.
O conjunto de recomendações inclui uma visão global do setor para a gestão de investimentos (com temas comuns aos universos de seguros e de previdência) e abordou também temas específicos de cada um deles, todos apontando caminhos para que a agenda ASG possa efetivamente ser integrada à pauta desse setor.
Com este estudo, a SIS encerra a série com recomendações para os reguladores financeiros nacionais. Os anteriores tiveram como foco a regulação bancária e a regulação do mercado de capitais. Confira aqui o estudo na íntegra.