Estudo do Data8 revela os desafios e as potências do envelhecimento periférico no Brasil, destacando desigualdades, redes de apoio e formas de resistência.
O Código de Endereçamento Postal (CEP) da residência determina muito mais o tipo de envelhecimento do que a própria bagagem genética, de acordo com a médica geriatra Karla Giacomin. Em termos práticos, um morador do Jardins – área nobre da zona oeste de São Paulo – vive cerca de 21 anos a mais do que um cidadão que reside no bairro Iguatemi, zona leste da capital, segundo o Mapa da Desigualdade, conduzido pela Rede Nossa SP. Em territórios como a Cidade Líder, a demora para ser atendido em uma consulta médica leva 39 vezes mais dias do que na República. Essas conclusões confirmam uma realidade: ninguém envelhece do mesmo modo, especialmente à luz das desigualdades socioeconômicas. Para entender as peculiaridades do envelhecimento em bairros mais afastados dos centros, a agetech Data8 conduziu, em 2022, o estudo Velhices Periféricas.
Especialista no mercado da longevidade da América Latina, o Data8 elenca os filtros essenciais para entender melhor os maduros periféricos, tendo em vista a diversidade etária, o gênero, a capacidade física, a renda e o perfil comportamental. O mapeamento das velhices periféricas, mostra que 67% se autodeclaram negros e 30% dos moradores de favelas idosos são analfabetos.

Nessa parcela da sociedade, 43% são arrimos de família, ou seja, brasileiros da classe D que, com mais de 50 anos, ajudam financeiramente filhos e netos. Nos domicílios com idosos, o número de moradores é, em média, de quatro pessoas – em bairros como República, são apenas duas. E são domicílios inadequados.
“O debate contemporâneo do Aging in Place, que consiste na capacidade de continuar a viver em casa e na comunidade ao longo da vida, tendo segurança e independência, é um conceito que parece estar associado às classes A e B. Mas e na favela? Como a sociedade trabalha para que o envelhecer periférico seja pleno e com potencial? Nas favelas, as moradias situam-se frequentemente em encostas e são acessadas por passagens estreitas e escadas íngremes, causando significativo risco de quedas para os mais maduros”, aponta Cléa Klouri, cofundadora do Data8. A pesquisadora acrescenta que envelhecer é diverso, mas não deveria ser desigual. “É urgente entender em profundidade as demandas das velhices periféricas”, salienta.
Ouvido pelo estudo, Alexandre Silva – doutor em Saúde Pública e especialista em envelhecimento – aponta que as pessoas idosas mais pobres, no Brasil, costumam ter a pele escura e baixa escolaridade por não terem tido oportunidades ao longo da vida. Esses cidadãos moram em locais marcados pela violência urbana e precariedade de serviços essências; exercem funções de baixa remuneração, sem segurança previdenciária e renda recorrente digna. “É preciso dar visibilidade a todos os grupos sociais que já envelheceram e outros que precisarão ter esse mesmo direito de chegar à velhice”, aponta.
Na análise do gap social na velhice, o estudo traz o triplo desafio etário na periferia, constituído por mais preconceito (antes dos 60 anos, já há discriminação etária no território); menos tempo de vida (alcançar a velhice não é para todos); e menos qualidade de vida. Segundo Cléa Klouri, neste contexto, a mulher negra madura e periférica é a que mais sofre as consequências de uma maturidade vulnerável.
“As idosas têm maior probabilidade de ficarem viúvas e viverem sozinhas; muitas vezes em situação socioeconômica desfavorável. Há, ainda, a debilidade física. Embora vivam mais do que os homens, elas passam por longos períodos dependentes de cuidados. Outro ponto relevante é a falta de aposentadoria. O emprego formal para as mulheres cai a partir dos 25 anos; depois dos 55 anos, menos de 20% delas trabalha e, após os 60 anos, menos de 10% atuam dentro do regime CLT”, afirma.
Ancestralidade periférica empreendedora
Desde os países africanos, papel dos pequenos locais de comércio era de responsabilidade das mulheres. No Brasil, essa prática teve continuidade com as escravizadas na Bahia. Essa ancestralidade empreendedora da mulher negra se estendeu ao longo do século XX e ainda hoje se faz presente no cotidiano brasileiro. O estudo mapeou iniciativas como Feira Preta – criado em 2002 e que é considerado, hoje, o maior festival afro da América Latina – que ilustra essa continuidade.
Em Belo Horizonte, um exemplo é o Perifa 60+, uma parceria da prefeitura do município, do Conselho Municipal do Idoso e da FA.VELA. A iniciativa é uma comunidade de aprendizagem, trocas de saberes e experiências para a longevidade. No conteúdo das formações, práticas de habilidades digitais, empreendedorismo e liderança.
DADOS TSUNAMI PRATEADO
Brasileiros acima de 50 anos da classe D
- 48% se sentem descartados pelo mercado de trabalho.
- 50% se sentem invisíveis pelas marcas.
- 40% são autônomos e trabalham por conta própria, mas somente 1% declara ter o próprio negócio.