Análise aponta comprometimento negativo de 12,7% das receitas das operadoras. Proposta é que o conteúdo sirva de base para criação de mecanismos legais e regulatórios para o aprimoramento do sistema
As fraudes e os desperdícios no sistema de saúde suplementar aumentam os custos, prejudicam beneficiários e comprometem a sustentabilidade do sistema. O setor sempre esteve sob ataques nessas questões e, apesar dos esforços permanentes para coibir e prevenir que ocorram, o Brasil ainda enfrenta um grande desafio no enfrentamento desse tema.
As operadoras de planos de saúde promoveram importantes avanços nos últimos anos para enfrentar as fraudes: promoveram melhoria de gestão, criaram comitês, passaram a usar indicadores de avaliação e aplicaram novos métodos e tecnologias – inclusive da valendo-se da inteligência artificial.
A agenda de enfrentamento vai além das técnicas de combate: se faz cada vez mais necessário que os agentes públicos aprimorem o arcabouço normativo e a legislação para combater o problema. Diante disso, o IESS lança estudo inédito com dados e análises sobre as fraudes e desperdícios no setor. O conteúdo foi desenvolvido pela EY, traz uma dimensão real do problema e tem como proposta incentivar o debate e apresentar meios de reduzir essas perdas, seja a partir da melhoria regulatória, seja por avançar na estrutura de governança e de ferramentas voltadas para combater a prática.
O estudo apresenta um diagnóstico com o perfil de fraudes e desperdícios no setor, traz dados sobre as melhores práticas em âmbito internacional, e apresenta dados inéditos de estimativas de valores e perdas para o sistema. Além disso, aponta insights com objetivo de prevenir e combater o problema.
Para se ter uma ideia, em 2022, estima-se que houve comprometimento negativo da ordem de 11% a mais de 12% nas receitas das operadoras de planos de saúde. O indicador apontado na análise representa perdas e prejuízos reais para o setor estimados entre R$ 30 bilhões e R$ 34 bilhões.
“São indicadores que ameaçam a sustentabilidade do sistema como um todo. Particularmente porque, sem um combate sem tréguas, a tendência é a fraude e o desperdício se alastrarem. Enfrentamos um cenário de contraste, pois, de um lado temos a melhor marca em relação ao número de beneficiários, quase 51 milhões; e, de outro, a questão das perdas com fraudes e desperdícios, que são altos. Essas perdas afetam a sinistralidade, o desempenho operacional das operadoras e, por fazerem parte dos custos, impactam diretamente sobre as mensalidades dos compradores de planos”, aponta o superintendente executivo do IESS, José Cechin.
É possível identificar, a partir do trabalho, quais são as principais práticas nocivas exercidas pelos agentes do setor, os poucos propensos à desonestidade entre beneficiários, prestadores de serviços e fornecedores de insumos.
Da mesma forma, ao avaliar o tema, o IESS entende que ao longo dos anos ocorreram mudanças profundas sobre a forma como as fraudes são praticadas. Na visão de Cechin, embora esse não seja o foco do estudo, no passado, havia uma incidência grande de fraudes cometidas a partir de atendimentos assistenciais. O que foi mais marcante, há cerca de oito anos, foi o episódio da chamada “Máfia das Próteses” – casos de sobrepreço de insumos e denúncias de cirurgias e uso de dispositivos médicos sem necessidade, ou sem a devida qualidade, expondo os pacientes a riscos graves. Hoje, adiciona Cechin, a conduta fraudulenta está mais concentrada em atos administrativos, como as fraudes em pedidos de reembolso e a novíssima forma que consiste no uso / criação de CNPJs fictícios, para gerar empregados igualmente fictícios, para quem o esquema fraudulento gera um contrato plano de saúde junto à uma operadora em situação regular. O passo seguinte é criar atendimentos fictícios, para obter reembolso real. Nesses casos mais recentes, não há envolvimento de beneficiários efetivos nem de prestadores. Trata-se de uma operação complexa que só pode ser realizada por uma organização criminosa.
“Olhando de forma histórica, as operadoras investiram muito no combate às fraudes que envolviam a órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs), sem mencionar as quatro CPIs e os diversos projetos de lei que foram sugeridos: aperfeiçoaram o sistema de controle, centralizaram compras, passaram a comprar materiais e medicamentos muito caros diretamente junto à indústria, reposicionaram contratos com prestadores e se mantiveram próximas do beneficiário para incentivar as denúncias. É preciso lembrar que as compras diretas reduziram volumosos recursos pagos na forma de comissões que em muito pouco, ou nada mesmo, contribuíam para os desenlaces clínicos para os pacientes. Agora, olhando em perspectiva para esse novo momento, a gestão das operadoras tem sido mais atenta às fraudes administrativas, o que ainda é um desafio enorme e que envolve ajustes de estruturas internas e muita tecnologia, inclusive com apoio de inteligência artificial”, analisa. “Eu diria que, como o setor de saúde suplementar passa por enormes transformações, essas mudanças também se expressam na forma como se praticam as fraudes e como requer um novo olhar para conter esse mal.”
Não há que se menosprezar o impacto na redução de gastos com fraudes, abusos e desperdícios ligados àquelas práticas normalmente cirúrgicas, envolvendo OPME, lembra Cechin. “Naquela ocasião, as despesas com internações na saúde suplementar respondiam por perto de 45% de todas as despesas das operadoras com serviços de assistência à saúde. Em contraste, os reembolsos representavam meia dúzia de pontos percentuais da despesa. Claro, com a pandemia e com essas novas práticas de reembolso esse percentual praticamente dobrou, embora precise-se ressaltar que nem todas as operações de reembolso eram legítimas e nem todo a aumento poderá ser atribuído a fraudes”, reafirma Cechin.
Referência para o setor
Além de ser um instrumento relevante de pesquisa, o estudo também pode servir de inspiração para aprofundar o debate sobre a criação de um arcabouço normativo, jurídico e regulatório, para coibir e eliminar de forma eficaz essas práticas no ambiente privado da saúde.
“A proposta é que o novo estudo do IESS se torne uma boa fonte de referência para pautar o debate no setor e possa estimular a criação de mecanismos legais e regulatórios visando contribuir para inibir e aniquilar essa prática nefasta para toda a comunidade da Saúde Suplementar, pois afeta de maneira muito prejudicial todo o sistema de saúde”, conclui Cechin.
Para acessar o estudo na íntegra, clique aqui.