Agora, as regras são claras. Sob a nomenclatura de proteção patrimonial mutualista, as então chamadas associações de proteção veicular começam a operar como integrantes do sistema regulado de seguros
Carol Rodrigues
Notícias como “Justiça proíbe que associações de proteção veicular vendam seguros porque os produtos não tinham autorização da Superintendência de Seguros Privados (Susep)” agora são registros do passado.
A Lei Complementar nº 213/25 sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro deste ano, traz transformações para o mercado de seguros, pois regulamenta a atuação das associações de proteção veicular no Brasil, que até então atuavam à margem do mercado regulado paralelamente às empresas seguradoras.
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“A regulamentação elimina lacunas que antes permitiam operações fora dos padrões regulatórios, garantindo maior estabilidade, segurança e transparência. Isso gera benefícios para os consumidores e também para o mercado em geral, promovendo competição saudável. O mercado regulado é uma garantia também para os concorrentes, pois todos sabem exatamente quais as regras e obrigações incidentes para todos”, explica Alessandro Octaviani, superintendente da Susep.
“A atuação irregular da atividade seguradora era um problema social. Atualmente, há diversas associações e cooperativas que atuam no mercado de seguros sem qualquer autorização da Susep, exercendo irregularmente a atividade de seguros, sem a observância dos elementos técnicos e jurídicos necessários à garantia de proteção do consumidor”, pontua Glauce Carvalhal, diretora jurídica da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).
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Agora, os grupos de proteção patrimonial mutualistas integram o Sistema Nacional de Seguros Privados, podendo operar em conformidade com normas específicas. “Sob supervisão da Susep e regulamentação do CNSP, esses grupos passarão, desde que regularizados, a ter maior credibilidade e confiabilidade”, menciona o superintendente da Susep.
A lei também acrescenta como atribuição da Susep a autorização e supervisão do exercício da atividade de registro das operações de seguros, previdência complementar aberta, capitalização e resseguros e o credenciamento e supervisão do funcionamento das Sociedades Processadoras de Ordem do Cliente – SPOCs, o que significa incluir as registradoras e as SPOCs no âmbito de fiscalização e regulação da autarquia.
Conforme Glauce, a lei ainda dispõe que as sociedades cooperativas de seguros, que antes tinham sua atuação limitada aos segmentos de seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho, poderão, mediante prévia autorização da Susep, operar em qualquer ramo de seguros privados, salvo as operações de seguro estruturadas nos regimes financeiros de capitalização e de repartição de capitais e coberturas, e aqueles que forem expressamente vedados por regulamentação específica.
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“O processo de regulação foi fruto de um trabalho brilhante do relator Vinicius de Carvalho (Republicanos-SP). Ele foi amplamente discutido e aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado. Isso indica como a lei é impactante ao segmento securitário no Brasil. E as APVs têm muito a agregar ao segmento securitário. Elas trazem um conhecimento profundo de um público novo para o segmento securitário, além de um processo de gestão muito próximo do usuário final”, descreve Kleber Vitor, superintendente da APVS Brasil, a maior associação de proteção veicular do País.
O corretor
Para Carlos Valle, VP de Comunicação da Fenacor, o corretor de seguros precisa saber a legislação na íntegra. “Ele faz parte desse mercado. Para que ele fiscalize e acompanhe essas mudanças, é necessário conhecimento. Já tivemos diversas lives realizadas, inclusive da Fenacor, com profissionais capacitados a orientar os corretores nessas mudanças. É importantíssimo que o corretor saiba da regulamentação até para saber qual a atuação das APVs correta”, recomenda.
Ele acredita que a regulamentação tem um impacto positivo na atividade dos profissionais corretores de seguros. “Vivíamos em um ambiente sem regra. Agora, as regras são claras.
Isso faz com que o consumidor e a população estejam protegidos. Tínhamos um número crescente de reclamações e isso fazia um alerta grande porque era fora de controle e fora de fiscalização”.
“A regulamentação traz um ambiente mais tranquilo, com mais certeza de trabalho e regras para todo mundo. Isso faz com que possamos cobrar e denunciar quem estiver errado e fazer mais ainda o nosso papel de proteção à sociedade”, destaca Valle.
Vitor lembra que a relação corretor e APVs está no início e o tempo a amadurecerá ainda mais. “Pela conversa que mantemos com a Susep e demais órgãos competentes, será uma relação próxima e uma oportunidade para ambos os lados. É um serviço que agrega à sociedade brasileira e o corretor poderá, sim, ser um canal de distribuição. O processo de regulação já é um processo de aproximação entre as partes. A Fenacor foi uma das entidades participantes das diversas reuniões com o relator Vinicius de Carvalho”, destaca.
“A próxima fase do processo será o detalhamento das normativas. O conhecimento do regulamento das APVs pelo corretor é fundamental”, acrescenta o superintendente da APVS Brasil.
Respeito ao consumidor
Conforme Glauce, com a Lei Complementar nº 213/2025 e a regulamentação das atividades das sociedades cooperativas de seguros e das operações de proteção patrimonial mutualista, espera-se maior proteção aos consumidores e segurança jurídica.
“Essa mudança beneficia o consumidor, pois estabelece parâmetros claros para o funcionamento dessas associações e impõe regras que visam reduzir os riscos para aqueles que buscam este tipo de serviço. Além disso, o consumidor poderá ter mais ofertas e uma competividade saudável para a garantia do seu patrimônio e de sua vida. Por fim, existe também uma expectativa de que toda a sociedade se beneficiará, tanto que a referida regulamentação fez parte da agenda de reformas microeconômicas promovidas pelo Poder Executivo Federal, que visam fomentar o desenvolvimento de mercados no país e estimular operações de crédito”, analisa a diretora da CNseg.
“As APVs agregam uma maneira mutualista de fazer as coisas, como a visão de rateio de despesas e a operação muito próxima tanto dos fornecedores quanto do público utilizador. Mesmo já tendo processos extremamente digitais, a pessoalidade da relação é do DNA das APVs”, define o superintendente da APVS Brasil.
Imagem do seguro
“Em linhas gerais, o Brasil deu um passo importante com a nova legislação, que deve fortalecer, desenvolver e ampliar a segurança jurídica para o setor segurador e para o funcionamento das cooperativas de seguros”, destaca a diretora jurídica da CNseg.
Para o superintendente da Susep, os consumidores ganham com a maior confiabilidade, segurança jurídica e transparência nas operações mutualistas. Para o setor, a inclusão formal de novos modelos promove inovação e amplia a percepção positiva sobre a diversidade de produtos disponíveis.
“Isso fortalece tanto a competitividade quanto a reputação do mercado brasileiro de seguros. Os grupos de proteção mutualista apresentam uma importante dispersão geográfica, sendo um ponto relevante da Política Nacional de Acesso ao Seguro, levada a cabo pela Susep”, diz Octaviani.
O VP da Fenacor acredita que o aumento pela procura da proteção através das seguradoras vai continuar porque as regras agora exigem um grande compromisso para quem quiser fazer uma associação de proteção veicular. “Vai ter, inclusive, limitações de área e obrigações. Isso não vai ser da forma que estava sendo comercializado. Sem regras tínhamos números astronômicos de frotas cobertas pelas associações. Acredito que vai crescer porque o mercado está amadurecendo, está chegando muitas seguradoras e gente com vontade de inovar. Isso vai trazer um aumento, já que vai existir segurança plena das coberturas contratadas”.
No Brasil já operam mais de 2,5 mil APVs.
Hoje, segundo o superintendente da APVS Brasil, o segmento atende um público entre 8 a 10 milhões de usuários com entre R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões de faturamento ao ano.
“Como a lei 213/2025, a expectativa é de expansão em 2025 e nos anos seguintes. A Lei 213/2025 é bem ampla e trata de diversos outros pontos importantes do segmento securitário no Brasil”, ressalta Vitor.
Supervisão
“Com a aprovação da Lei Complementar nº 213/2025, teremos um setor ainda mais fortalecido pela possibilidade de uma competição mais justa. A entrada de novos atores no mercado poderá contribuir com a ampliação do acesso ao seguro pela população e, consequentemente, com o crescimento econômico do setor de seguros”, diz Glauce.
No entanto, ela também pondera que, apesar da expectativa de um cenário positivo, a nova lei trará desafios. “Em especial, sob a ótica dos órgãos regulador e fiscalizador de seguros, estes terão novos entes para regular e fiscalizar. Aliás, a regulamentação será essencial para garantir a regularização desses novos entrantes, bem como para a aplicação de regras que assegurem a melhor proteção ao consumidor, sem que se crie regras assimétricas e desproporcionais com as sociedades seguradoras”.
Com a incorporação de mais empresas a serem fiscalizadas, a complexidade e o aumento de atores regulados demandarão reforço na equipe ou em tecnologias para apoiar a supervisão. “Já há concurso aprovado para a entrada de novos servidores, o que melhorará ainda mais a organização interna da Susep”, diz Octaviani.
Por enquanto, a supervisão será realizada pela equipe atual, com ajustes internos que forem necessários para atender a todos os segmentos.
“A lei 213/2025 busca ampliar o atendimento securitário em todas as classes sociais. Como a lei abrange o segmento em geral e não somente as APVs, os agentes do segmento têm uma missão importante: buscar proteger mais e mais os bens dos brasileiros”, menciona Kleber Vitor.
Conteúdo da edição de janeiro/fevereiro (272) da Revista Cobertura