Conscientização de médicos e beneficiários sobre o uso do plano de saúde e a punição se fazem necessárias para coibir as fraudes no setor
Carol Rodrigues
Fraude é o uso de meio enganoso ou ardiloso com o intuito de contornar a lei ou um contrato, lesando a terceiros. Segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), no caso do setor de saúde as fraudes impactam as mensalidades, que ficam mais altas em decorrência dos valores pagos indevidamente, e podem colocar a saúde dos usuários em risco.
“Além de impactar financeiramente, em alguns casos, as fraudes podem colocar a saúde dos beneficiários em risco, quando são submetidos a procedimentos médicos desnecessários para que os fraudadores obtenham algum tipo de vantagem financeira. Para fazer frente a essas ações, as operadoras têm estabelecidos critérios cada vez mais rígidos para garantir a segurança do paciente”, comenta Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde.
Historicamente, as fraudes no seguro ou plano de saúde sempre ocorreram em todas as etapas do processo, desde a contratação até a cobrança de eventos superfaturados ou não ocorridos. Mas o que mudou?
“Agora, as fraudes não são mais um crime de oportunidades eventuais, pois se formaram verdadeiras quadrilhas. Antes, eram as fraudes analógicas. Com o advento da digitalização dos processos, que é fundamental para melhorar o acesso e difundir o serviço, abriu-se espaço para o crescimento das fraudes. Temos muitas quadrilhas se aproveitando bastante do uso da internet, da digitalização dos processos e, principalmente, do alcance das redes sociais. São as chamadas fraudes digitais”, explica Dr. Cássio Ide Alves, superintendente médico da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Segundo ele, fraudadores de diversos setores da economia entenderam que, na saúde suplementar, como há uma fragilidade grande na regulamentação e na legislação, dá para obter dados e cometer fraudes. “E, inclusive, com os dados de pacientes, fraudar outros setores da economia. Com a abertura de contas digitais falsas, eles fazem lavagem de dinheiro de outros crimes”, acrescenta Alves, que atua com regulação médica há três décadas.
Hoje, há empresas e grupos de beneficiários falsos e anúncios na internet para estimular a realização de tratamentos estéticos pelo plano de saúde. “Há um intenso marketing nas redes sociais apoiado pela inteligência artificial que estimula a fraude. Se você entrar no Instagram e no Facebook e digitar clínica de estética ou clínica de emagrecimento, sempre aparecerá propagandas. O cerne da questão é a apropriação dos dados pessoais dos beneficiários. Eles querem os logins e senhas de acesso aos sites e WhatsApps das operadoras”.
“Notamos que os casos de fraudes por reembolso cresceram desde a pandemia, que chegou a registrar aumento de 14%. Antes da pandemia, o reembolso representava entre 10% e 11% de todas as despesas de sinistro da empresa. Na maioria dos casos há o pedido do login e senha do beneficiário como uma facilidade para o pedido de reembolso”, comenta Raquel Reis, CEO de Saúde & Odonto da SulAmérica.
Queixas-crime
O superintendente da Abramge lembra que o setor já passou por um cenário complicado com a CPI de Órtese, Prótese e materiais especiais, em 2011. “Desde 2007 e 2008, nós já municiamos o Ministério Público e a Polícia Civil de informações. Temos que divulgar e mostrar para a sociedade o que acontece, qual é o risco, os impactos de segurança e de sustentabilidade. Muitas vezes, o beneficiário é enganado. O fraudador não frauda só o beneficiário, na verdade ele frauda o mutualismo. Temos mais de 180 inquéritos policiais entre os associados da Abramge, mas muitos estão em sigilo”.
De 2018 a 2022, as associadas da FenaSaúde registraram 1.728 notícias-crime e ações cíveis relacionadas com fraudes, com crescimento expressivo ano a ano. “Só nos últimos dois anos esses casos aumentaram 43%. Vale ressaltar que o volume de casos efetivamente ocorrido é muito maior, uma vez que apenas parte dos casos viram, de fato, uma notícia-crime ou ação cível, visto a necessidade de materialidade”, explica Vera.
De acordo com ela, a FenaSaúde formalizou ao Ministério Público de São Paulo três notícias-crime, que culminaram na abertura de nove inquéritos policiais. “As denúncias envolvem contratações fraudulentas de planos de saúde para obtenção de vantagem indevida através de reembolso. O valor total envolvido nas três notícias crimes é de R$ 51 milhões”.
Conscientização e punição fazem parte do processo para mudar o cenário.
O médico e o reembolso
Há o importante papel dos médicos, que fazem botox e apontam em recibo outro procedimento; clínicas fazendo lives de como exponenciar seus negócios com reembolsos nas companhias; emissão de notas para o segurado receber e depois repassar os valores para as clínicas. Esses são alguns movimentos fraudulentos envolvendo o reembolso em que os médicos estão envolvidos.
Dr. Cássio Alves lembra que em toda e qualquer categoria profissional, sempre haverá alguém que sai da linha.
“Estamos bem preocupados com isso. Conversamos bastante e faço palestras explicando sobre fraude. Alguns médicos, que sei que são sérios, me perguntam: por que fracionar o recibo para ajudar ele a pagar a consulta é uma fraude? Alguns colegas fazem de boa-fé, outros não. É um crime que o consumidor está sofrendo e não sabe”.
“As companhias precisam ampliar uma campanha massiva para atrair a atenção de todos os segurados e não pactuar com médicos que promovem a utilização do plano somente por reembolso. Atentar que a fraude impacta a todos, a mensalidade do segurado, das empresas e o corretor de seguros”, sugere Marcelo Reina, CEO da Brazil Health.
Na visão de Reina, as operadoras precisam voltar a se relacionar mais com os médicos para trazer uma ampliação da rede credenciada e bons médicos escalonados, até em categorias diferentes, se for necessário. “Mas que estejam credenciados e assim a operadora possa ter relacionamento, sem a necessidade de passar por tantos reembolsos como vem acontecendo nos últimos cinco/ dez anos. As seguradoras se afastaram dos médicos e incentivaram, indiretamente, eles a procurarem modalidades de incremento via reembolso, surgindo a indústria do reembolso, a indústria da fraude”, observa.
Contra a fraude: análise e declínio
Especialista em planos de saúde, a Brazil Health promove palestras de uso consciente, com o apoio de vídeos da FenaSaúde. “Estamos trabalhando em comunicação e palestras, além de repassar todas as informações que chegam das operadoras. Sempre estamos apoiando as companhias na defesa do nosso mercado. Aqui dentro, a orientação é no pós-vendas, no cadastro e na emissão, se houver qualquer processo suspeito, ele já é suspenso. Nós procuramos afastar esse movimento perigoso”, cita o CEO.
Ele alerta ter conhecimento de empresas se passando por clientes procurando o corretor para contratar o plano, uma vez que algumas companhias só comercializam via corretor. “Ele também pode ser envolvido e sofrer consequências e problemas involuntariamente com esse tipo fraudulento”.
Mantenedor da Universidade de Vendas BrH, Reina diz que o tema da fraude foi debatido em 2022. “Este ano, trouxemos a defesa do ecossistema. Todos precisam estar na defesa do nosso mercado. O corretor é alertado desde o início, por isso promovemos uma postura de não participar de qualquer processo duvidoso. O corretor precisa estar atento para casos suspeitos”.
Para ajudar a reduzir o impacto das fraudes em saúde, o trabalho do Sindicato das Empresas de Comercialização e Distribuição de Planos de Saúde e Odontológicos do Estado de São Paulo (Sindiplanos) é voltado à conscientização de uma boa venda. “Toda negociação tem várias partes, a do corretor e da operadora. Hoje, a ação do Sindiplanos não atende, nem de longe, o que queremos porque ainda não conseguimos uma ligação com as operadoras e seguradoras para fazermos uma ação conjunta”, destaca Silvio Toni Junior, presidente do sindicato, para quem é necessário que haja união em torno desse objetivo.
Aos corretores, Silvio Toni recomenda que tratem cada negociação pensando no total da situação, pois o negócio tem de ser bom para o cliente, corretor e operadora. “Para isso, ele tem de ser pautado na verdade, na declaração de saúde e na transmissão das informações. A prosperidade para o profissional de vendas está sempre baseada na boa-fé, em uma relação saudável, de transparência e de parceria com o cliente e a operadora”.
Para a SulAmérica, o papel do corretor é de suma importância, pois eles podem reforçar a importância de saber exatamente o que diz o contrato para que o beneficiário entenda ao que tem direito e ao que não tem. “Explicar sobre o conceito do mutualismo e a consequência do uso do plano de forma indevida ou fraudulenta. Os corretores possuem uma atuação muito estratégica no combate às fraudes que é o da educação no momento de contratar o serviço, considerando que muitos beneficiários não tinham tido acesso antes e outros que não tinham a percepção clara do funcionamento da saúde suplementar”, destaca Raquel.
Força no combate
Do mesmo jeito que o fraudador agrega mecanismos de Inteligência artificial e de dados, as operadoras também estão agregando soluções para ver padrões de solicitações de reembolso, de contas superfaturadas. “Isso tem evoluído. O problema é que o fraudador sempre tem uma nova ideia e sempre estamos correndo atrás dele. Precisamos estar sempre espertos, ter ações coesas, conjuntas e planejadas para evitar que o problema se alastre ainda mais”, vê o superintendente da Abramge.
A FenaSaúde tem realizado uma série de ações com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre as más práticas que colocam em risco a sustentabilidade do setor e a segurança dos pacientes.
Segundo Vera, as operadoras mantêm áreas específicas de combate às fraudes e possuem mecanismos como token e biometria facial para tentar conter a ação de fraudadores. Também investem em tecnologias – sistemas de prevenção e inteligência artificial para identificação de casos suspeitos.
A SulAmérica, por exemplo, tem atuado fortemente mapeando os casos em todos os estados do Brasil, investindo em tecnologia (como o investimento em biometria para identificação dos beneficiários), treinamento para equipes, estruturação de times e reforço da comunicação para aumentar a conscientização da sociedade sobre o assunto. “Estamos empenhados em combater às fraudes com o objetivo de garantir a sustentabilidade, assim como ampliar o acesso à saúde suplementar”, explica a CEO da SulAmérica.
Raquel lembra que o combate à fraude é um trabalho contínuo e que uma das ações que já refletem positivamente é a educação dos beneficiários com relação aos cuidados que devem ter com as informações do seu plano como o compartilhamento de login e senha para consultórios e/ou clínicas pedirem os reembolsos em nome deles, o chamado reembolso assistido em que o fraudador pede ressarcimento por serviços não realizados ou para tratamentos estéticos, que não possuem cobertura.
“Quero destacar que já conseguimos identificar mais de 40 prestadores que anunciavam na internet tratamentos estéticos como botox e harmonização facial pagos pelo plano de saúde. Eles estão sendo monitorados e alguns já estão em processo de bloqueio”.
Conteúdo da edição de agosto (256) da Revista Cobertura