Autonomia para receitar e os riscos do médico

Prescrição off label e possibilidades de coberturas de seguro vieram à tona com a polêmica de medicação para tratamento da Covid-19

Thaís Ruco

Um médico detém inteira responsabilidade na prescrição de medicamentos para uso off label, respeitando, claro, os princípios da autonomia, da beneficência e da não-maleficência. Medicamento chamado off label é aquele cuja indicação do profissional médico diverge do que consta na bula.

O tema veio à tona com a polêmica prescrição de cloroquina e de hidroxicloroquina em pacientes com diagnóstico confirmado de Covid-19. Segundo consta no Parecer nº 04/2020, do Conselho Federal de Medicina (CFM), em tais situações, o princípio que deve obrigatoriamente nortear o tratamento do paciente é o da autonomia do médico, assim como a valorização da relação médico-paciente, que deve ser a mais próxima possível, com o objetivo de oferecer ao próprio paciente o melhor tratamento médico disponível no momento. Logo, a indicação de medicações por profissional médico em tais condições está nos exatos limites de sua autonomia profissional. Já a responsabilidade do médico se dará nos estritos termos da legislação, em especial do disposto no artigo 927 do Código Civil, de forma que se causar dano ao paciente será obrigado a repará-lo, integralmente.

“O médico tem liberdade de escolha e de agir segundo seus princípios amparado pela soberania do exercício profissional, enquanto o paciente tem a autonomia de querer se submeter ao tratamento ou não”, afirmam Fabrício Navarro, head de RC Profissional, e Emanuele Parussolo, gerente de Subscrição da Fator Seguradora.

Thabata Najdek, especialista em seguros de Linhas Financeiras e Responsabilidade Civil do Venda Seguro, afirma que as condições gerais do RC Profissional Médico excluem tratamentos experimentais. “Isso não significa que seja proibido na medicina. No entanto, as reclamações decorrentes desse tipo de evento não estarão cobertas na apólice”, enfatiza a criadora da plataforma de treinamento e capacitação para corretores aprenderem a vender e, principalmente, a contratarem os seguros da forma correta, atendendo às necessidades de cada perfil de médico.

A cobertura técnica do seguro de Responsabilidade Civil Médico dependerá das condições contratuais celebradas, na visão de Sergio Ruy Barroso de Mello, sócio fundador do Escritório Pellon & Associados. “Algumas seguradoras excluem o risco de utilização de medicamentos experimentais. Contudo, situações como a prescrição de cloroquina e de hidroxicloroquina em pacientes com diagnóstico confirmado de Covid-19, justo por se referirem à autonomia do profissional médico, autorizadas pelo seu correspondente órgão de classe, não podem ser enquadradas como ‘tratamento experimental’, até porque, o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio do Parecer nº 04/2020, autorizou expressamente o uso de tais medicamentos”, diz o advogado. Para ele, o mais importante, quando do exame da cobertura técnica do seguro e diante de exclusões para medicamentos experimentais, é analisar se a conduta do médico está eivada de ilegalidade, ou seja, se o “experimento” é vedado por normas legais ou infralegais (emitidas por órgãos de classe). “Se assim não for, torna-se muito difícil negar a cobertura sob tal fundamento”, argumenta.

“O médico poderá ser responsabilizado civilmente, caso fique clara a prática indevida. Todavia, o seguro de RCP Médico, dependendo da seguradora, pode ou não fornecer cobertura para tal situação”, sintetiza Gerlane Lopes, especialista de Responsabilidade Civil Profissional (RCP) da Excelsior Seguros.

Os executivos da Fator Seguradora completam que o seguro atua em paralelo aos conselhos de medicina (CFM, CRM), não se sobrepondo ao que é definido pelos órgãos de classe.

Como um cliente pode se sentir lesado de alguma forma ou mesmo reclamar pelo simples fato de ficar insatisfeito pelo serviço realizado, o RC Profissional Médicos cobre indenizações, processos e honorários advocatícios, mas também o acordo entre as partes, mesmo que não seja judicial. “Vale lembrar que algumas ações podem ter seu valor elevado, já que pode envolver ainda a indenização de danos morais, materiais e até mesmo estéticos, fazendo com que o responsável pague todo o prejuízo para a recuperação do paciente, por exemplo. Tendo em vista que o uso dos remédios off label não são cobertos é importante que o cliente tenha ciência de todas as coberturas que está contratando para num eventual sinistro e evitar que seja penalizado com uma possível negativa de cobertura”, aponta Mariana Bruno, gerente de Consumer Lines da Argo Seguros.

Coberturas

Basicamente, a cobertura principal é a Responsabilidade Civil do profissional médico para os danos decorrentes do exercício de sua atividade exclusiva de medicina. “Hoje há poucas variações no setor de seguros, se limitando a questões como franquia, definições temporais e outras de pouca importância. No entanto, com a edição de novos normativos pela Susep, em especial a Circular nº 621 e a Resolução CNSP nº 407, ambas de 2021, houve forte incentivo à liberdade criativa dos seguradores, capaz de fazer surgir, em muito pouco tempo, inúmeras e variadas coberturas para esse tipo de risco”, afirma Barroso de Mello.

Na Argo, por exemplo, o RC Profissional Médicos cobre perícia, acordos (se necessário), restituição da imagem, chefes e/ou diretores médicos, omissão de socorro, infecção hospitalar, e dano a documentos de terceiros (perda, roubo ou furto de algum documento).

Na Fator, a principal cobertura que dá nome ao produto é a de Responsabilidade Civil Profissional que garantirá as falhas profissionais durante procedimentos médicos, odontológicos, prescrição e/ou administração de medicamentos, emissão de documentos médicos, enfermagem, e demais procedimentos profissionais da área da saúde; desde que cometidas involuntariamente e que tenham gerado danos a terceiros.

“A cobertura para custos de defesa, que é uma das mais importantes da apólice, inclui o pagamento de honorários advocatícios, despesas judiciais cíveis, criminais, administrativas e extrajudiciais, em reclamações que decorram exclusivamente de uma falha profissional coberta pelo seguro”, apontam os executivos da seguradora. “Há também despesas de publicidade, que é a contratação de consultores especializados em relações públicas para mitigar os efeitos adversos à sua imagem e reputação, desde que decorrentes de uma reclamação coberta pela apólice, entre outras coberturas, como comparecimento ao tribunal, danos morais”.

“É de extrema importância contratar o seguro com uma companhia que ampare além das coberturas básicas: danos morais puro, dano estético e custos de defesa também na esfera criminal”, orienta Thabata. “Os corretores devem ficar atentos às propostas, pois algumas seguradoras estão excluindo de forma generalizada qualquer reclamação de falha profissional relacionada à coronavírus. Isso pode deixar muitos médicos desamparados no momento que eles mais precisarem do seguro”, alerta a especialista.

Conteúdo da edição de julho (233) da Revista Cobertura

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