Atributos passam pela flexibilização do órgão regulador, ampliação da consultoria do corretor e maior consciência do consumidor
Carol Rodrigues
Há muito o que se mudar no setor de saúde suplementar no Brasil. Essas transformações não são apenas para operadoras e seguradoras que atuam no segmento, mas também para os corretores atuantes na venda e consultoria e os consumidores que utilizam o serviço.
“O futuro mais do que nunca é o presente. Se não cuidarmos do presente, temo pelo futuro por causa da sustentabilidade porque este pode se tornar um modelo inviável para grande parte da população. Todos as pontas do negócio de saúde suplementar, inclusive poder público e regulação, precisam falar mais e todos têm de ceder um pouco”, analisa Marcelo Reina, CEO da Brazil Health Insurance Solutions.
A análise de Reina vai ao encontro do fato de que o modelo de saúde atual, que incorpora vários tratamentos ao rol de procedimentos, está se tornando inviável. “Nos últimos anos temos picos de reajustes de quase 25%. Se isso se repetir nos próximos anos, vai ficar difícil para as empresas”, observa. “O consumidor precisa entender os pontos do modelo de saúde suplementar. Ele tem a sensação de que o reajuste é um lucro a mais incorporado.
Não fica claro que, muitas vezes, é só uma recomposição de déficit”, acrescenta.
“Para oferecer cada vez mais qualidade, de forma sustentável, à cadeia assistencial da saúde suplementar em nosso país, faz-se necessário um novo olhar sobre modelos de negócios na saúde, alinhados às novas – e cada vez mais diversas – demandas assistenciais da população”, analisa Flávio Bitter, diretor-gerente da Bradesco Saúde.
Afinal, os últimos anos têm sido transformadores para todo o setor de saúde suplementar, ao mesmo tempo em que reafirma sua importância para a sociedade.
Passos para o futuro
Especialistas atuantes no setor recomendam mudanças para manter não somente a sustentabilidade, mas a acessibilidade a uma proteção considerada desejo pela população.
“Creio que no futuro bem próximo o plano de saúde deve ser mais coparticipativo, de forma que o cliente participe mais do custeio do plano. O mercado está caminhando para isso, pois estava muito aberto para utilização excessiva, o que acabava desequilibrando as contas das operadoras – a conta não fecha”, observa o presidente da CORPe Saúde, Dirceu Canal.
Outro ponto citado por ele é o compartilhamento do histórico de todos os exames que o cliente faz. “Um fator que aumenta muito o custo da operadora são os exames e consultas, sendo os exames a parte mais cara. Uma rede para compartilhar o histórico médico traria grande economia. Algumas operadoras já fazem isso, especialmente as verticalizadas, mas para seus clientes, se mudar de plano não tem mais. O melhor dos mundos seria um prontuário eletrônico nacional, unificando todos os exames e procedimentos, evitaria muito exames duplicados, mas isso esbarra em algumas questões legais”.
Segundo o presidente da CORPe Saúde, há ainda a importância da flexibilização de regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “É um grande obstáculo hoje a operadora ser obrigada a entregar todo o rol da ANS e mais o rol exemplificativo. Essa falta de flexibilização é o que inviabiliza hoje os planos individuais, por isso os planos de adesão tomam conta do mercado”.
Um exemplo de flexibilização citado por ele seria: hoje existem o plano ambulatorial e o completo, poderia haver um intermediário, com cobertura para ocorrências mais básicas, e as ocorrências mais complexas, de alto risco, como um transplante ou tratamento oncológico, passariam a ser tratadas no SUS. “Isso baixaria o preço e traria novos clientes, podendo dobrar o setor, que hoje conta com 50 milhões de beneficiários”, diz Canal.
Reina sugere planos mais versáteis, que possuam um rol básico e coberturas complementares que os beneficiários pudessem agregar de forma acessória, como há em outros países.
De alguma forma, hoje nós estamos construindo o futuro do setor de saúde suplementar.
“As ofertas dos produtos com coparticipação vêm aumentando a cada ano”.
Canal ainda destaca que, em relação à ANS, já há fóruns no mercado para discutir modelos de precificação, remuneração, entre outras particularidades do segmento, para que as operadoras possam efetivamente entregar um produto de qualidade. “Se o segmento não tiver um novo modelo, em questão de tempo, poderá haverá falência no sistema de saúde privada e, consequentemente, mais problemas para o SUS, o qual não tem capacidade, capilaridade e verba para atender toda a população”.
“Hoje vivemos uma disruptura da saúde suplementar, a qual está gerando um caos, que será procedido por intensas e adequadas negociações entre todos os participantes do setor”, define José Silvio Toni Junior, presidente do Sindicato das Empresas de Comercialização e Distribuição de Planos de Saúde e Odontológicos do Estado de São Paulo (SindiPlanos).
“No futuro a relação entre coberturas e investimentos será muito mais equilibrada, ou seja, o consumidor poderá optar sobre qual tipo de contratação quer e pode pagar e terá direito exatamente ao que contratar”, acredita Silvio Toni.
“É importante ressaltar que as necessidades de assistência da população são diversas e dependem de vários fatores, que devem ser considerados no processo de expandir a estrutura médico-hospitalar do país. Por isso, é fundamental que o setor da saúde fomente também a cultura da prevenção como passo inicial de assistência, muito antes de tratar as doenças”, indica Flávio Bitter.
Produtos para inclusão
Para Sami Foguel, CEO da Porto Saúde, a verdadeira missão do ecossistema de saúde deveria ser uma maior inclusão da população no setor de saúde suplementar. “Hoje, apenas 24% da população tem acesso. É uma penetração muito baixa. Todos atores devem se unir para termos um sistema equilibrado e mais inclusivo”.
Para ele, o futuro dos planos de saúde é de excelência em prestação de serviços, com redes e times médicos de reputação ilibada. “Entretanto, diferente da imagem anterior, do ‘livrinho de rede credenciada de muitas páginas’, vejo um foco maior em redes menores e coordenadas para prestação de serviço de qualidade a um custo que caiba no bolso das empresas”, descreve.
Em termos de produtos, a Porto Saúde caminha para esse cenário. Como exemplo, o CEO cita a Linha Pro. “Uma rede de excelência, mais enxuta em número de portas do que as linhas tradicionais. Não há reembolso, mas todas as consultas estão inclusas, sem limites, com os times médicos dos hospitais parceiros e com o time médico da Porto. Continuaremos inovando e trazendo acesso à saúde de qualidade para ainda mais empresas no mercado, inclusive a ampliação do portfólio da Porto Saúde”.
“Na Bradesco Saúde, também avançamos em nossos serviços, aprimorando as experiências dos nossos segurados e dos corretores parceiros. Entendemos que o plano de saúde do futuro seguirá as premissas de inovação, uso de ferramentas digitais, serviços customizados e prestadores com médicos especializados para atender às novas demandas da sociedade e também para permitir uma melhor gestão da saúde e redução de desperdícios, zelando pela sustentabilidade”, observa Bitter.
Recentemente, a Bradesco lançou uma linha de produtos com reembolso específico, com a opção do reembolso para consultas médicas e honorário médico. “Isso garante liberdade de escolha para itens mais demandados de livre escolha pelos nossos segurados, disponibilizando uma ampla rede referenciada para todos os demais tipos de eventos e necessidades”.
Mais especialização
Seja no presente ou no futuro o corretor tem um importante papel de consultoria junto ao consumidor. O que vai diferenciar, conforme Silvio Toni, é que, cada vez menos, serão tolerados posicionamentos equivocados. “Isso posto, também na questão da comercialização do plano de saúde, não somente o cliente final, mas a operadora de planos de saúde e a estrutura comercial requer cada vez mais um posicionamento técnico e duradouro”, analisa.
Conforme o presidente da CORPe, o papel do corretor de plano de saúde é se especializar mais, ter uma venda consultiva e ajudar mais a operadora. “Não somente pensar em vender o plano, mas explicar mais. Explicar sobre o uso indevido do plano, o problema de ficar pegando reembolso, o risco das fraudes. Porque se o corretor hoje não cuidar para que o cliente não seja um gasto exagerado ele vai matar sua galinha dos ovos de ouro: as operadoras vão quebrar. O papel principal do corretor é educar o cliente no uso mais correto do plano de saúde, pois ele continua sendo o principal e mais importante canal de distribuição”, destaca.
O CEO da Brazil Health também acredita que o corretor deverá estar mais atualizado do que nunca. “Estamos vivendo mudanças aceleradas, nas quais determinado plano no final de 2023 já pode ter mudanças em maio, de aceitação, reembolso e rede. São mudanças aceleradas em poucos meses. Para o corretor fazer a manutenção da sua carteira e um bom atendimento precisa estar sempre atualizado, fazendo todos os cursos disponíveis, e monitorar a aceitação do usuário dentro de seu plano de saúde”, recomenda.
Inclusive, Bitter acrescenta como desafio para corretores e assessorias no ramo saúde a atualização constante em um setor com regulação e especificidades próprias. Por isso, a companhia promove a ampliação do conhecimento sobre o setor, através da plataforma Universeg. O processo de venda se torna, assim, ainda mais próximo e eficaz para corretores e clientes”.
“Os corretores são parceiros fundamentais e altamente relevantes para que a Porto Saúde seja o porto seguro para a saúde das empresas. Com o apoio e contribuição de cada corretor que comercializa a Porto Saúde, temos a certeza de que sempre trabalharemos melhores soluções para as necessidades de cada perfil de cliente. Em 2021, 900 corretores protocolaram ao menos um contrato de saúde conosco. Em 2023 foram 5.500! Isso mostra como somos intencionalmente focados nessas relações”, destaca Foguel.
O Consumidor e a consciência de uso
No complexo ecossistema de saúde todos têm um papel, inclusive o consumidor. “É preciso que o consumidor tenha consciência na utilização. Por isso a coparticipação é tão importante, até mesmo para a conscientização sobre a utilização. A partir do momento que o cliente tem que contribuir com o pagamento de exames, ele pára para pensar se são realmente necessários, enquanto se tem utilização livre, simplesmente faz”, comenta Canal.
“O consumidor deve rejeitar qualquer tipo de fraude e evitar desperdícios como o não comparecimento em consultas. Ele também vai ter de investir em prevenção. O custeio da saúde está se tornando muito oneroso para o plano e para ele, pois dentro do mutualismo no decorrer dos anos ele sentirá o impacto”, diz.
É fato que o consumidor seguirá a mesma toada como um integrante do sistema. Afinal, como lembra o presidente do SindiPlanos, ele não é somente o usuário final, mas sim financiador de um sistema suplementar privado. “Com isso, tanto os direitos como obrigações ficam cada vez mais claros e é assim que as partes se encaixarão no futuro”.
“Todo esse ecossistema precisa estar saudável. Se não tivemos um mercado saudável, será problemático para todos”, conclui Reina.
Pequenas mudanças, grandes transformações
- Mais coparticipação do consumidor;
- Compartilhamento de histórico de todos os exames feitos pelo beneficiário;
- Ponderar a inclusão de coberturas no rol de procedimentos obrigatórios;
- Novos modelos de precificação e flexibilização;
- Mudança no preço do plano de saúde para crianças;
- Corretor com papel de especialista e com maior necessidade de orientação ao consumidor;
- Mais inovação e uso de ferramentas digitais;
- Serviços customizados;
- Olhar mais atento às demandas assistenciais da população;
- Incentivo maior à cultura da prevenção.
Conteúdo da edição de maio (264) da Revista Cobertura