Para um sistema mais saudável, judicialização deve ser reduzida

Equilíbrio entre o direito fundamental à saúde e a sustentabilidade, tanto do SUS como dos planos de saúde é defendido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal durante Congresso da Abramge
Carol Rodrigues

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge

É notório o impacto da judicialização no setor de saúde suplementar. Segundo o Painel de Estatísticas Processuais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em setembro de 2024 havia mais de 800 mil processos de judicialização da saúde no Brasil, dos quais 483 mil iniciados este ano. “Esses são números extremamente preocupantes, pois revelam tendência de crescimento. Em 2020, entraram 21 mil novas ações judiciais relacionadas à saúde. Em 2024, a média mensal é superior a 60 mil ações. Em pouco tempo, tivemos um aumento de quase 300%”, analisou Luis Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo ele, os números da saúde suplementar também são importantes. “Até setembro de 2024 temos 335 mil ações ajuizadas, apenas 215 mil este ano. Em São Paulo, diferentemente de outros estados, a litigiosidade da saúde suplementar é maior do que a saúde pública”, expôs.

O tema norteou parte da programação do 28° Congresso realizado pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), em novembro, em São Paulo.

O evento tem como propósito buscar o diálogo para romper barreiras na busca de um sistema com regras claras e uso racional, visando a sustentabilidade do sistema, além de mais acesso. “Saúde, ao lado de educação e segurança, é a base de qualquer nação. Não há o que se falar em oportunidades e prosperidade sem que o tema saúde seja prioritário.

Luis Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

Mas, para isso, é necessário garantir a segurança jurídica. É indiscutível que há uma certa insegurança jurídica no setor da saúde”, destacou Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge.

Os números relacionados à judicialização na saúde são preocupantes, conforme o Ministro do STF, Gilmar Mendes. “Recentemente, o STF decidiu, em um complexo processo, tentar estabelecer balizas para a judicialização”, comentou sobre o acordo elaborado por uma comissão especial, que propõe a criação de uma plataforma nacional para centralizar as demandas de medicamentos.

A juíza Renata Gil, integrante do CNJ, ressaltou a missão de diminuir a elevada judicialização da saúde. “Nós, do CNJ, estamos preparados e atentos para dar cumprimento à decisão do ministro Gilmar (Mendes) de melhorar a condição de saúde dos brasileiros”.

Importância para o País

Ribeiro ilustrou a dimensão do setor de saúde suplementar que realiza mais de 750 mil consultas, 3 milhões de exames, 25 mil internações e quase 12 mil cirurgias por dia. “Há muitas lições de casa a serem feitas. E o dia de hoje será o marco inicial nessa busca incessante para gerar maior acesso à saúde para a população brasileira. Precisamos de segurança jurídica na legislação. Nosso setor precisa de equilíbrio e sustentabilidade para gerar acesso. A Abramge está pronta e legitimada para esse desafio”, ressaltou.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, ressaltou a importância de o setor privado e público de saúde estarem juntos. “A saúde pública brasileira depende muito do apoio da saúde suplementar”.

Para explicar o que ocorre com a judicialização da saúde no Brasil, o presidente do Supremo Tribunal Federal, explicou que até 1988, antes da promulgação da Constituição Brasileira, havia uma total exclusão social. “O Sistema Único de Saúde (SUS) teve a ambição de ser um grande programa universal, integral e igualitário para toda a população brasileira. É nisso que se encontra a beleza e as dificuldades do SUS no Brasil. É preciso trabalhar sob a premissa de que o sistema de saúde no Brasil é talvez o maior projeto de inclusão social existente no mundo de maneira geral, que atende mais de 70% da população brasileira”, analisou Barroso.

Ele ainda apontou que, no Brasil, o judiciário atua em muito mais matérias do que o judiciário em outros países no mundo de forma geral, especialmente o Supremo Tribunal Federal, que só em matéria de saúde tem um conjunto muito expressivo de decisões. “Precisamos ter mecanismos para coibir essa judicialização. Até porque o judiciário é uma instância patológica na vida de um país. A judicialização não pode ser naturalizada”.

O presidente do STF ainda reconheceu que a livre iniciativa desempenha um papel importante na vida do País de forma geral, e na prestação da saúde em particular.

“Portanto, é preciso ter cuidado com o tipo de intervenção que se faz também na saúde suplementar na crença de que se está fazendo um bem, e que pode estar promovendo um impacto negativo comprometedor sobre o mercado”.

Natjus 4.0

Para Barroso, o STF também tem tentado contribuir para encontrar o equilíbrio necessário e imprescindível entre o direito fundamental à saúde e a sustentabilidade, tanto do SUS como da saúde privada.

O Sistema Natjus cria um sistema de notas técnicas para as ações judiciais em matéria de saúde para que os juízes definam decisões técnicas embasadas. “Agora a grande novidade para a saúde suplementar é o banco de dados nacional, o Natjus 4.0. Estamos criando uma grande base de dados. O sistema de acesso para normas técnicas terá duas abas: uma para a saúde pública e outra para a saúde suplementar. Precisamos modificar a cultura da litigiosidade no notas técnicas”, antecipou.

O acordo de cooperação técnica tem início entre a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o Tribunal de Justiça da Bahia. “Isso vai facilitar o equacionamento da judicialização em relação à saúde suplementar. O processo de judicialização é uma circunstância brasileira que temos tentado equacionar, mas não é fácil. Temos excesso de litígios. Não há estrutura que dê conta de atender a tempo e com qualidade a esse volume de demanda”.

Parceria inédita

Juliana Pereira, presidente do IPS Consumo, e Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge

O IPSConsumo e a Abramge anunciaram uma parceria inédita batizada como Observatório do Consumidor da Saúde, que propõe lançar luz sobre o que está por trás das queixas dos consumidores em relação aos planos de saúde.

Segundo Juliana Pereira, presidente do IPSConsumo, a parceria será composta por um grupo de especialistas independentes que irão analisar as reclamações e reporta-las para a direção da Abramge.

Por que hoje se tem tantas ações judiciais em relação à saúde suplementar? Responder a essa questão não é nada simples. Entender a causa raiz, conforme Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, implicará em descobrir qual é o problema. “A judicialização é efeito e consequência. Vamos olhar para a causa, que é olhar para o consumidor. O principal motivo de existir deste setor é o consumidor. A busca é por esse diálogo”, expõe Ribeiro, sobre a parceria que possibilitará ter uma visão imparcial da causa.

Serão analisadas todas as reclamações de consumidores e as ações judiciais que envolvam associadas da Abramge registradas nos Procons, no consumidor.gov, na ANS e no Poder Judiciário. “A litigância é prejudicial para todos, porque aquilo que se investe para se defender, se deixa de atuar na assistência. Esse é um grande ponto”, chama a atenção Juliana.

Theresa May fala do case do NHS

Theresa May, ex-primeira ministra do Reino Unido

O National Health System (NHS), sistema de saúde público britânico, tem como objetivo oferecer atendimento a todo o cidadão. A ex-primeira ministra do Reino Unido Theresa May compartilhou a experiência do sistema de saúde inglês e os seus desafios durante o 28° Congresso Abramge.

“O Reino Unido tem muito orgulho do seu sistema de saúde. Todos recebem o mesmo suporte do NHS. Isso está no coração do nosso sistema, que é um serviço universal”, destacou May, que supervisionou o maior aumento de recursos destinados ao serviço de saúde nacional.

Um dos maiores desafios, segundo ela, é o fato de que a população está envelhecendo, tem mais doenças e por isso utiliza mais o NHS, o que gera uma pressão sobre o sistema.
Segundo ela, outra questão importante é que todos possam usar o NHS, “Isso é fundamental. Garantir a igualdade e que a qualidade do tratamento e a disponibilidade sejam as mesmas em todo o Reino Unido é um ponto-chave”.

Jornada do paciente

No sistema de saúde britânico é recomendável que cada pessoa tenha um clínico geral, que irá monitorar o paciente.

Há muita discussão do NHS com foco nos hospitais, principalmente com os clínicos gerais. Inclusive, ela explica que os médicos clínicos gerais são os primeiros a serem procurados.

“Ele saberá se pode resolver ou direcionar para um especialista em um hospital. Se há emergência, a pessoa vai direto para o hospital e terá acesso imediato”, explica May sobre a forma de evitar sobrecarga e pressão nos hospitais.

O terceiro elemento no sistema, que tem aumentado, são os farmacêuticos que têm conhecimento técnico para resolver questões simples. “Se for ao hospital, aumenta a pressão. Que a pessoa passe para o sistema de saúde após uma triagem apropriada. A triagem diminui a pressão sobre o sistema”.

“O NHS é maravilhoso, mas há uma lista de espera para alguns tipos de tratamentos que, infelizmente, aumentou ainda mais por conta da Covid-19”.

Sobre a incorporação de tecnologias, conforme a ex-primeira ministra, há um grau de independência no nível local sobre incorporar medicamento e tecnologia e adotar de acordo com orçamentos e necessidade da população local.

Conteúdo da edição de novembro (270) da Revista Cobertura

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