Luis Cozac*
Ao longo de toda a sua história, em especial no período republicano, o Brasil foi marcado por períodos de instabilidade econômica e política, inflação descontrolada e moedas em constante desvalorização. Essa realidade turbulenta, sobretudo a partir dos anos 50 do século passado, evidentemente impactou todos os setores da economia, mas teve um efeito particularmente danoso para o desenvolvimento do mercado de seguros e previdência, que precisa de estabilidade e previsibilidade para crescer.
Ademais, até a década de 90, nosso mercado era fechado, concentrado, e com monopólio estatal do resseguro (que perdurou até 2007!). Este diagnóstico e a necessidade de modernização constaram em dois documentos importantes de 1992: o Plano Diretor, do Ministério da Fazenda, e a Carta de Brasília, das empresas seguradoras. No entanto, foi só com o advento do Plano Real em 1994 que o cenário começou, de fato, a mudar drasticamente.
Eram tempos esperançosos, com a Constituição cidadã de 1988 recém-lançada num ambiente democrático, e as relações consumeristas contempladas com o Código do Consumidor de 1990. Mas os planos de combate à inflação sucediam-se em fracassos repetidos, e tivemos nada menos que 12 ministros da Fazenda entre os dez anos contados a partir do início da redemocratização, em março de 1985, até dezembro 1994. O Plano Real trouxe consigo uma estabilidade de preços que o País não experimentava há décadas.
Os jovens de hoje não podem avaliar o que era viver no ambiente inflacionário das décadas de 70, 80, e início da de 90, quando a inflação mensal chegou a inacreditáveis 80%! O Dragão da Inflação é uma expressão hoje desconhecida dos jovens.
A nova moeda nacional, o Real, foi introduzida, e medidas foram implementadas para controlar a inflação. O Plano Real, em sentido estrito, foi uma mudança da moeda oficial do país, (a nona!) através de um mecanismo genial, made in Brazil, e concebido dez anos antes no ambiente acadêmico por André Lara Resende e Pérsio Arida: a ancoragem temporária de todos os preços em uma moeda indexada estável, em paralelo à moeda oficial, que derretia com a inflação. No dia marcado, amplamente anunciado, e que no caso foi 1 de julho de 1994, a URV (Unidade Referencial de Valor) torna-se a moeda oficial. Lá se vão 30 anos!
É importante frisar que a estabilização monetária ocorreu de forma gradual e consistente, e seu sucesso não se deveu apenas à introdução da nova moeda, através de um desenho técnico original e de condições políticas favoráveis. Sob a liderança de FHC, o comando de Pedro Malan e com uma equipe técnica competente, várias modernizações institucionais e ações saneadoras implementadas (que podemos considerar como contidas no Plano Real, em sentido mais amplo) foram fundamentais para reestabelecer a confiança dos agentes e promover a estabilidade de preços e retomada de investimentos.
Como exemplos destas medidas podemos citar o Fundo Social de Emergência, a negociação das dívidas estaduais, o saneamento ou venda dos bancos estaduais e empresas de telecom, a Conta Única do Tesouro, a melhoria do ambiente regulatório com as Agências, entre várias outras iniciativas modernizantes.
Mas nem tudo eram flores, houve uma crise importante no percurso, com o “atraso do câmbio”, na virada de 1998 para 1999, resolvido com a adoção do regime de câmbio flutuante a partir de 15 de janeiro de 1999. O câmbio flutuante, juntamente com a passagem para o sistema de metas de inflação e metas fiscais, o chamado “tripé macroeconômico”, permitiu, de certa maneira, que o País superasse problemas crônicos de inflação, atraísse investimentos internacionais e melhorasse sua infraestrutura. Isto repercutiu em diversos setores.
A estabilização de preços conquistada beneficiou não apenas os cidadãos em suas transações diárias e na obtenção de crédito, mas também teve um impacto profundamente positivo no mercado brasileiro de seguros e previdência privada. Antes do Plano Real, as seguradoras enfrentavam um desafio constante para precificar seus produtos devido à volatilidade dos preços. A inflação galopante tornava difícil para as empresas preverem custos futuros e avaliarem adequadamente os riscos, e as reservas previdenciárias dos segurados derretiam.
Como resultado, os prêmios de seguro eram frequentemente inflados para compensar essa incerteza, tornando os produtos de seguros inacessíveis ou inadequados para muitos brasileiros, e acabando com as rendas previdenciárias. A defasagem intertemporal entre o pagamento do prêmio e eventuais indenizações, mesmo com os mecanismos de correção monetária, geravam resultados para as seguradoras (o chamado cashflow underwriting). Não havia incentivo para que as companhias se preocupassem com o rigor atuarial, muito menos com a modernização dos produtos.
Com a estabilização de preços promovida pelo Plano Real, esse cenário começou a mudar. As seguradoras ganharam um ambiente mais previsível e estável para operar, o que lhes permitiu desenvolver modelos de negócios mais sustentáveis e, concomitante à flexibilização regulatória, oferecer produtos de seguros mais acessíveis e adequados às necessidades do público.
Desde a implementação do Plano Real, o mercado brasileiro de seguros e previdência experimentou um crescimento significativo: qualquer que seja a base de comparação, seja em termos de volume de prêmios (em moeda constante) quanto de penetração no mercado (como percentual do PIB), estamos falando de um mercado que cresceu pelo menos sete vezes no período, em termos reais.
Em suma, a estabilização de preços trazida pelo Plano Real desempenhou um papel fundamental na transformação do mercado de seguros brasileiro. Ao proporcionar um ambiente econômico mais estável e previsível, o Plano Real incentivou o crescimento e a modernização do mercado de seguros, aumentou a proteção financeira para os consumidores e impulsionou o desenvolvimento do setor como um todo.
No entanto, enquanto celebramos as conquistas do passado, é crucial lembrar que a estabilização econômica e de preços não é garantida permanentemente. O Brasil enfrentou, e ainda enfrenta, desafios econômicos significativos ao longo dos anos, e é fundamental aprender com as lições do passado para evitar repetir erros que já cometemos.
Ao rememorar as conquistas trazidas pelo Plano Real, devemos também renovar nosso
compromisso com políticas econômicas responsáveis e medidas que promovam a estabilidade financeira a longo prazo e modernização institucional permanente. Somente assim podemos garantir um futuro próspero e seguro para o mercado de seguros e para todo o País. Afinal, como nos lembra a frase estampada no Estádio Nacional de Santiago, no Chile, palco de prisões e torturas durante a ditadura militar: “Um povo sem memória é um povo sem futuro”.
* Luis Cozac é economista e sócio da consultoria Partenariat
Conteúdo da edição de junho (265) da Revista Cobertura