Momento hard da indústria de resseguro gera maior rigor na aceitação, além de trazer à tona os riscos declináveis e reforçar o papel dos corretores na consultoria
Carol Rodrigues
O cenário econômico mundial com a desaceleração causada pela pandemia de Covid-19, em 2020, trouxe um contexto desafiador para o mercado de seguros, principalmente para os corretores de seguros e seus clientes de riscos corporativos. Mal saímos da fase crítica da pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia começou a gerar outros reflexos na aceitação de riscos, inclusive no Brasil.
Todas essas ocorrências impactam o aumento das taxas de resseguro, que vive o seu momento hard market. “A guerra faz com que as sanções aplicadas gerem uma tentativa de buscar mercados alternativos para os produtos russos, por exemplo: petróleo, gás e fertilizantes. Isso também gerou perdas muito fortes ao mercado de resseguros”, completa Sergio Barroso de Mello, sócio do Escritório Pellon & Associados Advocacia. “Somando essas situações, o que vemos é um ressegurador lá fora muito preocupado com essas perdas e com o futuro e, justamente por isso, apertando alguns riscos que entende agravados. Esse cenário explica, de certa maneira, a dificuldade para colocação dos grandes riscos. O que também acontece é um prêmio um pouco maior com condições mais rigorosas”, acrescenta.
Também há o aumento dos sinistros, como incêndios e as catástrofes naturais. “Além disso, tem a diminuição do ganho financeiro das seguradoras, que fez com que as seguradoras e resseguradoras precisassem ter um resultado operacional maior”, observa Paulo Esteves Viveiro, presidente de Resseguros da THB Brasil.
Contudo, o mercado ficou mais técnico e, com isso, alguns segurados acabaram sem seguros e outros tiveram as taxas reajustadas. “Todos ficam sem seguro? Não, depende muito da atividade e linha de negócio. Grandes indústrias químicas ou geradoras de energia não estão sem seguro, mas estão pagando mais”, explica Viveiro.
Riscos declinados e excluídos ou mudanças nas condições?
Para Márcio Ribeiro, CEO da KNW Brokers Corretora de Resseguros, a dificuldade na renovação das apólices passa por uma série de fatores, sendo a mudança nos critérios de aceitação das seguradoras motivada tanto pelos guidelines da casa matriz, como por novas regras dos seus contratos automáticos de resseguro, agora mais restritos. “Alguns riscos, antes aceitos automaticamente, passaram a ser excluídos e, dessa forma, as seguradoras acabam reduzindo a sua participação ou, em última instância, até saindo do negócio. Com isso, existe menos capacidade para se compor 100% da cobertura em cosseguro e a alternativa é buscar resseguro facultativo. Quando deixam o contrato automático e partem para o facultativo, a dinâmica da negociação muda. Os corretores de seguros mais atentos poderão se antecipar na busca das melhores soluções para seus clientes, explorando cada vez mais as alternativas via resseguro facultativo”.
Segundo o advogado Antonio Penteado Mendonça, sócio da Penteado Mendonça e Char, de forma geral as companhias não estão aceitando os riscos e quando aceitam, o valor dos prêmios é exorbitante. “Muito mais altos do que os cobrados na apólice anterior, independentemente de terem sinistro”, observa.
Ele explica que não são apenas os riscos complexos que estão encontrando dificuldades de colocação, mas também os riscos que, em função da atividade da empresa, estão sendo declinados pelas seguradoras. “A questão dos riscos declináveis é antiga. Já faz alguns anos que as seguradoras não aceitam os seguros de determinadas atividades empresariais. Isso está se agravando nos últimos tempos. As seguradoras não estão aceitando nem mesmo as renovações de apólices emitidas para estes riscos, ainda que sem sinistros”.
Penteado Mendonça define o quadro como complicado. Afinal, ao não aceitar riscos, as seguradoras estão na contramão de seu negócio que é a proteção social através da emissão de apólices de seguros desenhadas e precificadas para aceitar os riscos. “Não estou dizendo que as seguradoras devam aceitar todos os riscos que lhes são propostos. Mas a negativa pura e simples em função da atividade empresarial depõe contra elas e deixa os corretores muito mal diante de seus clientes. Dá a sensação de que as seguradoras não querem aceitar risco em que possa acontecer sinistro. Só que o negócio delas é justamente este”, argumenta.
Segundo o advogado, muito desta situação é fruto das resseguradoras não darem capacidade para as seguradoras aceitarem estes riscos. “Só que em outros países isso não acontece. Então, fica a pergunta, por que lá pode e aqui não? Não faz sentido, mas é bom lembrar que a abertura do resseguro no Brasil não trouxe novos produtos, nem a concorrência que se esperava. As resseguradoras vieram, mas continuaram fazendo mais do mesmo. E agora algumas estão, inclusive, deixando de operar com riscos do País”.
O CEO da KNW Brokers faz um contraponto e diz que o resseguro não é o vilão da história. “Em uma situação hipotética de não existir resseguro, as seguradoras, em algum momento, seriam obrigadas a ajustar os termos e condições das apólices, vista a atual situação socioeconômica mundial. Existe solução para os riscos complexos e, nesse cenário, antecedência e informações de qualidade são ainda mais relevantes nas negociações”, observa.
Ramos mais impactados
Algumas indústrias mais impactadas são as têxteis, mobiliário, plásticos, depósitos de algodão, armazéns gerais, fábricas de móveis, artigos de madeiras e alguns segmentos da indústria química, e outras cujo processo de produção represente risco um pouco mais elevado, especialmente de incêndio.
“Mas é importante ressaltar que essas e outras indústrias categorizadas como riscos complexos encontram seguradoras com expertise em seu tipo de risco”, pontua Adailton Dias, diretor-executivo de Produtos Corporativos e Resseguro.
Segundo Paulo Viveiro, o risco cibernético está aumentando o volume de procura e muitas empresas estão ficando sem seguro. “A sinistralidade no cyber está altíssima. São poucos os players com apetite, e eles estão extremamente criteriosos”.
Ele destaca que o índice de colocação do cyber não tem sido alto e reforça que é cada vez mais importante a conscientização do segurado para que ele consiga, de fato, ter seguro. Contudo, eles exercem mais um papel de consultoria de risco, em vez de colocação de risco.
“No D&O, as empresas com exposição nos EUA viram o prêmio franquia aumentando bastante nos últimos anos. Nos riscos médios, a desvalorização do real também não ajuda muito para você conseguir capacidade nos mercados internacionais, porque o volume de prêmios ficou pouco atrativo”, descreve Viveiro.
“Uma das indústrias que trabalhamos bastante e constatamos mudanças nas condições e taxas é a de geração de energia, na qual houve um aumento na frequência da sinistralidade. Com uma maior demanda por energia, as plantas de geração aumentaram a atividade produtiva e, consequentemente, os sinistros. Houve também um aumento nos custos das indenizações. Os preços dos equipamentos subiram, o tempo médio de reposição do item aumentou, o que impactou as perdas de danos materiais e lucros cessantes, por exemplo”, exemplifica Ribeiro.
Avaliação do risco
A Sompo, segundo Adailton Dias, tem trabalhado para avaliar o risco das empresas que atuam em ramos de atividade nos quais tem expertise para atender com qualidade e assertividade, com base em seu portfólio e know-how, dentro do limite de subscrição. “Em nosso portfólio, subscrevemos riscos que não são aceitos pela concorrência justamente porque somos reconhecidos no segmento de mercado dessas empresas. Então, temos condições para sermos assertivos na subscrição e prestarmos um atendimento de qualidade ao corretor de seguros e ao segurado”, comenta.
A companhia já conta com modelos de atendimento para seguros corporativos por meio do qual, cada risco é avaliado em conjunto com o parceiro corretor de seguros, visando a melhor maneira de atender à demanda do segurado. “Além disso, participamos das comissões na FenSeg e contribuímos com nossa expertise visando o bem comum do mercado segurador. Sabemos que cada seguradora tem expertise para atender diferentes ramos de atividade com riscos complexos. Determinada categoria de risco não é atendida pela seguradora ‘A’, mas encontra cobertura nas seguradoras ‘B’ e ‘C’. Então, cada agente do mercado contribui com seus conhecimentos e experiência para que possam ser determinados os modelos de cobertura e gerenciamento de riscos que atendam cada ramo de atividade”, explica Dias.
O CEO da KNW menciona que existe uma solução para os riscos complexos, mas não nos termos e condições praticados nos últimos anos. “Temos recebido mais demandas de resseguro facultativo em virtude da retração dos contratos automáticos. O que procuramos fazer é antecipar, cada vez mais, as negociações com os nossos clientes, visando buscar estruturas alternativas de resseguro, sempre amparados na qualidade da informação. O corretor de seguros que tem parceria com brokers de resseguro pode antecipar-se e buscar alternativas para compor 100% de cobertura na melhor condição possível”.
O aprendizado do seguro transporte
Para Adailton Dias, encontrar um meio termo que atenda ao segurado e que corrija situações que impedem o desenvolvimento do mercado como um todo é um compromisso que deve envolver todos os agentes da cadeia produtiva: seguradoras, resseguradoras, entidades do segmento, corretores, plataformas e assessorias de seguros, empresas especializadas em gerenciamento e inspeção de risco e até mesmo os segurados.
Segundo ele, há alguns, o ramo de seguro de Transporte apresentava um panorama semelhante: sinistralidade alta, diversos riscos excluídos, dificuldades para a subscrição adequada, entre outros fatores. “Hoje os segurados contam com um trabalho desenvolvido pelo mercado segurador que tem uma forte influência no resultado operacional do segmento logístico. Isso porque todo o trabalho de consultoria em gerenciamento de risco que é implementado, não só minimiza a incidência de sinistros, como também contribui com a eficiência da operação logística. Essa mesma mudança de cultura tem de acontecer junto aos segurados de empresas dos segmentos de riscos complexos”.
Isso porque, ao adotar mecanismos para mitigação de riscos, a empresa só tem ganhos. Além disso, é necessário olhar para esses recursos como investimento, não como custo. “Além de obter a subscrição de risco a taxas competitivas, o patrimônio da empresa e a vida das pessoas que circulam em seus ambientes estão salvaguardados. É importante haver o entendimento de que os recursos aplicados em mecanismos de segurança não constituem um custo. Na verdade, esse é um investimento importante que deve fazer parte de um planejamento estratégico de segurança das empresas”, completa Dias.
Segundo ele, um ponto importante a ser considerado pelos parceiros corretores de seguros que atuam na área de seguros de propriedades corporativas, é a necessidade de rever os Limites Máximos de Indenização (LMI) a serem estabelecidos na contratação ou renovação das apólices. “O aquecimento do mercado de construção civil e a inflação nesse mercado passou a exigir uma atenção especial na hora de determinar o LMI das apólices”, alerta Dias.
Até quando: 2022 ou 2023?
Para Penteado Mendonça, fase pode demorar um pouco mais para passar. “A situação global é muito complexa e a solução não será rápida, inclusive no que diz respeito à inflação nos países ricos. Isso e a situação interna terão impacto nos seguros brasileiros”, expõe.
Barroso de Mello lembra que o cenário é momentâneo. “Essa indústria é uma roda gigante. Estamos em um viés ainda de baixa, mas virando para a subida do ponto de vista de operação de seguro e resseguro em nível mundial. Durante o segundo semestre de 2022 e o ano inteiro de 2023 vamos ter uma melhora significativa no quadro de aceitação de riscos por parte dos resseguradores, especialmente da Europa Continental, do Lloyds, mercados alemão e francês, que são importantes para aceitar os nossos riscos aqui no Brasil”, prevê.
Paulo Viveiro observa que em algumas linhas de negócios, o prêmio está estabilizando, mas outras ainda estão com aumento. Em Property, por exemplo, há clientes com taxas defasadas com necessidade de ajuste. “Em outros, já estamos conseguindo renovar com as mesmas condições da apólice anterior, mas isso tem muito a ver com a importância que o cliente dá para o gerenciamento de risco. Hoje, o segurador ou a resseguradora, prefere sair da conta a dar mais desconto”.
Gerenciamento de risco e a importância da consultoria do corretor
Sergio Barroso de Mello lembra que o ressegurador é hoje um ente que opera facilitando financeiramente a operação, pois oferece serviços como avaliação de risco e informações estatísticas que vão ajudar a compreender melhor toda a operação. “Alguns seguradores e resseguradores exigem medidas preventivas por parte dos segurados e os riscos que podem ocorrer. A atividade de seguros sempre teve como virtude a possibilidade de evitar um dano através de medidas preventivas. Muita gente não enxerga isso, mas essa é uma das grandes virtudes que o setor de seguros e resseguros oferece”.
Nesse cenário, a análise do risco em si ficou cada vez mais importante. “O nível de conscientização do segurado com relação ao risco faz grande diferença. Então, as empresas que têm uma cultura de risco, que têm um risk manager, têm chance maior de renovar as apólices em condições melhores do que aqueles que não têm a mesma visão de proteção de risco”, diz o presidente da THB Re.
De fato, é um momento muito importante de o corretor de seguros estar perto e mostrar as necessidades do gerenciamento de risco. “Buscamos trabalhar muito perto do nosso pessoal de seguros. Primeiro, passando qual é o cenário e o que está acontecendo. Preço é importante, mas não é a única variável. É importante conhecer o know-how do corretor em seguros corporativos. O que a THB foca bastante é ser, de fato, um consultor de riscos e não um mero colocador de seguros. Isso para o cliente é cada vez mais importante”, sintetiza Viveiro, para quem proteção, gestão de risco, proximidade e transparência são palavras-chaves.
“Mantemos um contato constante e transparente com nossos parceiros, a fim de compartilhar conhecimento técnico, tendências e mudanças do mercado de resseguro, sempre estudando e ouvindo muito todos os players”, conclui o CEO da KNW.
Conteúdo da edição 243 (junho) da Revista Cobertura