Especialistas falam sobre a aplicação da AI no combate à fraude, a importância da educação e o impacto do PL 29/17 em evento promovido pela FRISS
Todos os dias as pessoas recebem mensagens denominadas phishings, técnica de fraude on-line que consiste no envio de mensagens utilizadas para roubar senhas e dados pessoais. No Brasil, muitas vezes, são mais de uma tentativa por dia. O que faz com que muitos estejam atentos e não caiam nas armadilhas com apenas um clique.
“Quase 95% das pessoas no Brasil têm medo de ser vítimas das fraudes. Em outros países, esse medo é menor”, pontuou Iván Ballon, gerente de Desenvolvimento da FRISS para América Latina e Península Ibérica, ao citar uma pesquisa realizada pela empresa SAS, que atua na área de inteligência artificial e análise de dados.
A mesma tecnologia que tem facilitado o dia a dia de pessoas e empresas, apresenta a outra face.
“Passamos pelo momento em que a tecnologia ajudou no processo, mas com isso veio a fraude e exponencialmente surgiram situações em que a tecnologia foi usada de forma indevida. Também com o uso da tecnologia, hoje o processo está mais lento, pois tem de colocar o reconhecimento facial, nota fiscal, solicitação do médico. A percepção das pessoas é que é muito burocrático”, pondera Marcio Jordão, superintendente de Sinistros da Bradesco Seguros, ao citar como exemplo o processo de reembolso dos planos de saúde.
Uma questão de educação
“Hoje a percepção de fraude está maior porque está no dia a dia das pessoas. Mas acontece há muito tempo. Temos que tratar o assunto e buscar informações para educar as pessoas porque traz prejuízos para a sociedade, que é quem paga a conta”, chama a atenção o superintendente de Sinistros da Bradesco.
Marcelo Baccarini, especialista em gestão e combate de fraudes, destaca o uso de big data e do machine learning para estabelecer tendências fraudulentas.
“Uma revolução que teríamos é o cruzamento de dados com os relatórios de investigação e periciais. Dentro de um relatório há outras informações que podem ser cruzadas para criar um mapa. A fraude se pega no detalhe, então temos que usar todas as informações”, diz Baccarini.
Para o especialista, a internet das coisas, a internet das pessoas, tecnologias e educação digital têm um importante papel para combater fraudes. “Devemos democratizar as informações, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), na medida do possível para que tenhamos um resultado melhor no combate à fraude”.
Colocar o tema fraude na mesa para ser discutido foi o propósito da insurtech holandesa FRISS, que já atua no Brasil há cerca de quatro anos, com o evento “Fraudes: uma preocupação para a sociedade”, organizado pela Freela, uma join-venture entre a Revista Cobertura e a Revista Apólice, realizado em maio no auditório da Escola de Negócios e Seguros (ENS). “Nós somos responsáveis por educar e dar instruções de que a fraude é algo errado e as consequências são piores”, destaca Ballon.
IA como aliada
“Quando você pega a inteligência artificial para fazer a análise de grandes bases de dados, se reduz muito o ruído e incrementa os insights que são úteis para a companhia”, acrescenta Guilherme Perondi, vice-presidente Brasil e Latam da Swiss Re Corporate Solutions.
Na parte de regulação de sinistros, na Swiss Re a maioria das fraudes são documentais.
“Há fraudes estruturadas, mas como trabalhamos com riscos maiores é difícil uma indenização passar despercebida”.
Ele cita como exemplo um caso de seguro transporte ligado à ressarcimento. O segurado causou dano ao embarcador e precisava fazer o ressarcimento, e apresentou o sinistro no valor de R$ 90 mil para a Swiss Re fazer a indenização. No entanto, a companhia utilizou uma ferramenta de AI que lê qualquer tipo de documento para identificar fraudes e qualquer tipo de alteração no documento. “De fato, tinha sido alterado o valor. Sabíamos quem tinha cometido a fraude porque constava o nome do usuário e o valor era R$ 700,00.
Avisamos o corretor, que ficou surpreso e voltou para o cliente, que retirou o aviso do sinistro”.
Na visão de Joel Oliveira, gestor e consultor de negócios, algo importante para o setor é acreditar na honestidade das pessoas e utilizar a tecnologia. “A tecnologia inibe substancialmente as possibilidades de fraude. Com a tecnologia, podemos lembrar o cliente de que é honesto, quando ele estiver caindo em tentação. Caminhamos para ter AI em toda a jornada do cliente, da subscrição à renovação. Identificar melhores oportunidades para vender para o bom cliente e evitar a venda ao mau cliente”.
“Vislumbro uma situação em que da mesma forma em que a ficção anunciou que seria um crime, a realidade vai mostrar que uma fraude será previsível. Com o avanço da tecnologia, você vai deixar apenas de apenas identificar, mas também passará a prever”, acrescenta Oliveira, ao citar o filme Minority Report.
Lei de Seguros
De acordo com o PLC 29/2017, que representa a nova lei de seguros, a chance de negar uma indenização com base no que evidentemente poderia se qualificar como fraude vai se reduzir tremendamente. “O ônus da prova já é das seguradoras. Agora, o que se terá que provar é uma ação dolosa. A pessoa pode simplesmente esquecer de dar uma informação extremamente importante”, chama a atenção João Marcelo dos Santos, sócio-fundador do escritório Santos & Bevilacqua.
Com isso, segundo o advogado, o mercado vai se tornar altamente jurídico. Outro ponto citado por ele é a prescrição, que até pouco tempo se contava a partir do sinistro. “Hoje, no Brasil, é proibido que as seguradoras estabeleçam prazo para aviso de sinistro. Essa regra é possível porque a prescrição era curta e anulava a necessidade de se ter prazos para avisar sinistros. Pela nova lei, o termo inicial da prescrição será a negativa. Isso significa que será possível avisar o sinistro 40 anos depois porque ele não está prescrito. O prazo pré-aviso não conta como prazo prescricional. Isso aumenta a possibilidade de fraudes exponencialmente. As seguradoras vão ter que rever todo o seu procedimento para pensar que documentos guardar e por quanto tempo”, explica.
Fraudes em situações de calamidade
As seguradoras convocam uma força-tarefa e se movimentam rapidamente para atender os seus segurados de diferentes ramos em situações de calamidade, como a que vivencia o Rio Grande do Sul. Com esse acolhimento emergencial também pode ocorrer tentativas de fraudes.
Guilherme Perondi, da Swiss Re Corporate Solutions, cita como exemplo a crise no agro, ocorrida há cerca de dois anos, devido ao excesso e depois pela falta de chuva. “A nossa estimativa foi de um percentual significativo pago que talvez tenha sido exagerado pela pressão de fazer logo a indenização”, comenta.
Em situações emergenciais, ele lembra que a prestação de serviço é impactada por questões de infraestrutura e falta de profissionais qualificados e disponíveis em tempo rápido para fazer a inspeção. “Por isso, precisamos aproximar as experiências anteriores para ver os padrões. Quanto mais informação, melhor fica, pois não podemos parar o processo. Há um critério regulatório e prazo para pagar sinistro. Acolher e indenizar o mais rápido possível é o nosso papel. Talvez tenha um abuso, infelizmente faz parte de uma realidade que temos que combater e evitar. O mais importante é o setor de seguros se mostrar forte como ele é e ajudar as pessoas e empresas a voltarem a operar. É como agregamos valor para a sociedade”, diz.
No massificado, Jordão diz que a vistoria remota é uma opção para validar que uma casa foi atingida, dando segurança mínima para que se consiga fazer a indenização de forma rápida. “Usamos a tecnologia para buscar esse tipo de velocidade nos processos”.
Conteúdo da edição de maio (264) da Revista Cobertura
Assista ao evento na íntegra: